Título: PF prende acusados de gravar vídeo do suborno
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 10/06/2005, O País, p. 5

Polícia e Ministério Público investigam suspeita de envolvimento de agentes da ativa da Abin com a gravação

BRASÍLIA e RIO. A Polícia Federal prendeu ontem na operação Deus nos Acuda quatro pessoas acusadas de gravar as cenas de pagamento de propina ao ex-chefe do Departamento de Contratação dos Correios Maurício Marinho, que detonaram a crise política enfrentada pelo governo. A PF e o Ministério Público investigam o suposto envolvimento do grupo com o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e com setores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

A operação foi deflagrada simultaneamente em três cidades a partir de mandados de prisão expedidos pela Justiça. Em Brasília, os agentes prenderam o ex-agente do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) José Santos Fortuna Neves. No Rio, o militar da reserva da Marinha Arlindo Gerardo Molina. E, em Curitiba, a PF prendeu o engenheiro João Carlos Mancuso Vilela e o advogado Joel Santos Filho. Os dois últimos já confessaram em depoimento à PF do Paraná ter feito a gravação.

As suspeitas sobre as ligações de Jefferson e de agentes da Abin com o grupo foram reforçadas por documentos apreendidos em 15 endereços nas três cidades, além de São Paulo e Belém. Na PF no Rio, Molina admitiu sua ligação com pelo menos um agente da Abin, afastado do emprego por problemas de saúde.

- Existem indicações de vínculos com alguma estrutura da Abin e com políticos - disse um delegado que participou da operação.

Entre os políticos interessados na gravação das cenas de suborno estaria Roberto Jefferson. Uma das suspeitas investigadas é a de que Jefferson teria encomendado a gravação numa tentativa de retomar o controle do grupo de servidores indicados pelo PTB para três postos chaves nos Correios: Marinho, na Chefia do Departamento de Contratação e Antônio Osório e Fernando Godoy, na Diretoria de Administração.

Corretora no Rio seria o elo entre os acusados

A PF investiga se Molina e Fortuna teriam contratado os serviços de Mancuso e Santos Filho, dois supostos investigadores particulares de Curitiba. Molina seria o elo entre Jefferson e os demais acusados. Segundo a polícia, um dos endereços comerciais de Molina, que atua como consultor da Fundação Getúlio Vargas, é a Rua Anfilófilo de Carvalho 29, no Centro do Rio. Este é o mesmo endereço da Assurê, corretora de Henrique Brandão, investigado por cobrar uma mesada de R$400 mil do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) para o PTB.

Na Assurê, também estaria a ponte entre Molina e José Fortuna que, até agora, dizem não se conhecer. Um dos sócios da Assurê seria o empresário Cristiano Luiz Brandão, que também é apontado como um dos donos da Pactum Asses, empresa de Fortuna. Para a PF, tudo indica que Jefferson pediu a gravação do suposto esquema de fraudes nos Correios e depois perdeu o controle do processo. Marinho teria falado demais e os arapongas resolveram cobrar um preço mais alto pelos serviços.

- Existem os executores (Mancuso e Santos Filho) e os mandantes (Fortuna e Molina). Mas pode ter pessoas acima deles também - afirmou a procuradora da República Raquel Branquinho.

Como não houve entendimento no grupo, a fita acabou sendo divulgada, abrindo caminho para a grave crise política enfrentada pelo governo até agora. A cúpula da Abin também está preocupada com as suspeitas de envolvimentos de agentes dos antigos quadros do extinto SNI com a gravação. Agentes da Abin passaram o dia ontem tentando descobrir que documentos estão em posse da PF que poderiam incriminar arapongas. O grupo faria parte de uma ala que está em guerra aberta com o diretor da Abin, o delegado Mauro Marcelo.

A senha sobre o suposto envolvimento de agentes da Abin foi dada por Reginaldo Bacci, advogado de Fortuna.

- Vocês têm que perguntar é o que a Abin tem a ver com tudo isso - disse Bacci depois de acompanhar o depoimento de quatro horas que Fortuna prestou ao delegado Luís Flávio Zampronha.

Polícia copia conteúdo de 102 computadores

No Rio, Molina foi preso quando saía de sua casa, no Joá, acompanhado da mulher. Na casa e em sua empresa de consultoria tributária, a Fradema, no Centro, a PF apreendeu computadores, documentos, agendas e celulares. O material será levado para Brasília, onde será periciado.

Os agentes buscaram provas na casa e na firma de Henrique Brandão, amigo de Jefferson. Na sede da Assurê Corretagem de Seguros, também no Centro, a PF copiou em CDs todo o conteúdo de 102 computadores e apreendeu mais três. Na casa de Brandão, na Avenida Atlântica, foram apreendidos outros dois laptops e fitas de vídeo. Uma das máquinas pertence a filha do empresário.

No interrogatório, Fortuna negou que tenha gravado ou encomendando a gravação do suborno de Marinho. Fortuna está preso no 3º Batalhão da PM de Brasília. Molina, Mancuso e Santos Filho seriam transferidos ainda ontem à noite do Paraná e do Rio para Brasília.

SAIBA QUEM SÃO OS PRESOS

Arlindo Gerardo Molina Gonçalves: Militar reformado da Marinha. Atua hoje como consultor da Fundação Getúlio Vargas. Um dos endereços comerciais que aparecem entre os papéis de Molina é o mesmo da Assurê, corretora de Henrique Brandão, amigo de 30 anos de Roberto Jefferson.

José Santos Fortuna Neves: Ex-agente do SNI e capitão reformado da PM de Minas.Um dos donos da Atrium e representante da Intermec e de outras empresas que perderam licitações nos Correios. Ex-candidato a deputado pelo PMDB, é hoje ligado ao PTB.

João Carlos Mancuso Vilela: Engenheiro. Seria um dos donos da JRV Informática, empresa com endereço em Itaim Bibi, São Paulo. Aparentemente a empresa está desativada. Para a PF, coube a Mancuso entregar um pacote de R$3 mil ao ex-chefe de Contratação dos Correios Maurício Marinho.

Joel Santos Filho: Advogado. O nome dele aparece em quadros societários de empresas de Curitiba e de pelo menos uma em Brasília. Joel seria o homem que usou a câmera para gravar Mancuso subornando Marinho com R$3 mil.

Legenda da foto: NO MALOTE, documentos recolhidos no escritório de Arlindo Molina