Título: MORALIZAÇÃO SÓ EM 2007
Autor: Maria Elisa Alves
Fonte: O Globo, 10/06/2005, Rio, p. 12

Deputados estaduais decidem que nepotismo será proibido na próxima legislatura

A Assembléia Legislativa decidiu ontem acabar com a farra das nomeações de parentes, mas não deixou a família completamente desamparada. Ao aprovarem em sessão extraordinária, por 51 votos a 7, o projeto de emenda constitucional (PEC) que proíbe a contratação de cônjuges e parentes de até terceiro grau de deputados, membros do Executivo, Judiciário, Tribunal de Contas e Ministério Público, os parlamentares entenderam que o veto não poderia prejudicar os já nomeados. Os atuais deputados vão poder manter a família em seus gabinetes e, segundo o presidente da Casa, Jorge Picciani, só vão exonerá-los se quiserem. A proibição do nepotismo só vale, no caso do Legislativo, para 2007, quando os próximos eleitos, ou os reeleitos, não vão poder contratar nem mesmo o cunhado ou a sogra. O mesmo ocorre no Executivo: a governadora Rosinha Garotinho só precisa afastar o marido, Anthony Garotinho, da Secretaria de Governo se quiser.

Conselheiros podem manter parentes

No caso de membros dos poderes com cargos vitalícios, como desembargadores do Tribunal de Justiça ou conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, a aprovação da emenda constitucional, que passará a vigorar em 30 dias, não fará muita diferença. Como eles não são substituídos a cada quatro anos, como os deputados, vão poder manter os parentes que atualmente estão ocupando cargos em comissão até que se aposentem, mas não poderão nomear outros. Os novos desembargadores ou conselheiros terão que seguir a nova norma. A instituição do "nepotismo adquirido" não agradou a todos:

- O procurador da Alerj entendeu que uma lei não pode retroagir para prejudicar alguém. Só que eu entendo que esse direito adquirido só deveria valer para servidores públicos, não para pessoas que exercem cargos de livre nomeação - defendeu o deputado Luiz Paulo (PSDB), que exonerou dois parentes de seu gabinete.

O deputado Carlos Minc (PT) defendeu a exoneração imediata de todos os parentes que estão na Casa:

- Se por larga margem o parlamento editou uma norma que, apesar de tudo, foi um grande avanço, os parlamentares e governantes podem colocá-la imediatamente em vigor, substituindo os parentes. Se a norma é boa e necessária, por que implementá-la só no futuro?

Além da demora em exonerar os parentes, na aprovação do projeto os deputados deixaram mais duas brechas: membros dos três poderes que tenham parentes concursados poderão nomeá-los para cargos em comissão. Se um parlamentar ou desembargador tiver um filho, por exemplo, aprovado em concurso para merendeiro em qualquer município, pode convocá-lo para seu gabinete para ganhar, no caso da Alerj, salários de até R$6.077. Outro ponto polêmico foi o da nomeação cruzada. Os parlamentares impediram o troca-troca, quando um desembargador nomeia o filho de outro e vice-versa. Mas não vetaram a troca cruzada entre os poderes. Um parlamentar pode ter o filho nomeado no Tribunal de Contas ou MP. Levantamento do GLOBO há duas semanas revelou que 28 de 56 parlamentares entrevistados já nomearam algum parente.

- Quem tentar fraudar a lei, nomeando um cunhado para outro gabinete da Casa, vai responder por quebra de decoro parlamentar - disse Paulo Melo (PMDB), autor da emenda, junto dos deputados André Corrêa (PPS), Edmilson Valentim (PC do B), Paulo Ramos (PDT), Manuel Rosa (o Neca) e Chico Alencar.

Ontem, os deputados participaram de uma reunião do Colégio de Líderes antes de votarem o projeto contra o nepotismo. Houve uma hora e meia de negociação, enquanto alguns parlamentares discursavam, para garantir os 42 votos necessários à aprovação do PEC. Isso só foi possível com a inclusão de duas emendas, uma que excetuou da proibição os funcionários concursados, efetivos, e outra que retirou a expressão "servidor público" do projeto.

Após a negociação tensa, apenas sete deputados votaram contra o fim do nepotismo: Alessandro Calazans (sem partido); Dica (PFL); Domingos Brazão (PMDB); Eliana Ribeiro (PMDB); José Nader (PTB); Ricardo Abrão (PP) e Sivuca (PSC). Ao comentar sua decisão, Abrão, que tem duas irmãs na Casa, citou outros exemplos do que ele considera nepotismo:

- Tem nepotismo em todo lugar, até na música. Você não vê o caso do Chitãozinho e Xororó e do Zezé di Camargo e Luciano? Como um deputado vai amaldiçoar seus parentes?

Para Domingos Brazão, a família também vem em primeiro lugar:

- Quem não tem coragem de defender os seus parentes, como eu, não vai ter coragem de defender seus eleitores - disse ele, que tem um irmão trabalhando em seu gabinete. - Se eu for reeleito, vou nomear de novo. Se não deixarem, vou à Justiça.

O deputado Sivuca também reclamou não ter direito a nomear o filho, que, segundo ele, tem estudo e é honesto, enquanto outros deputados já tentaram nomear até traficantes, numa referência ao deputado Mário Luiz, que em 2001 quis levar Escadinha para assessorá-lo na Alerj. Mesmo quem votou a favor, como o presidente Jorge Picciani, tem dúvidas se vai mandar embora o irmão que nomeou para o gabinete:

- Ainda vou analisar - disse.

UMA PRÁTICA COMUM

O nepotismo é uma prática que já foi flagrada nos mais diferentes órgãos no Rio. Na Alerj, por exemplo, como O GLOBO noticiou em maio passado após ouvir 56 dos 70 deputados, 28 parlamentares admitiram que já tiveram parentes trabalhando na Casa em algum momento dos seus mandatos. Catorze disseram que têm familiares em seus gabinetes, com salários de R$3.127 a R$6.099. O próprio presidente da Alerj, que emprega um irmão, estimou que metade dos colegas tenha algum membro da família na Casa.

A situação não é diferente da que foi constatada em março de 1999. Um levantamento na Alerj mostrou que um em cada quatro deputado tinha empregado parentes. Na Câmara da capital, essa relação era de um em cada seis vereadores. Daisy Lucidi (PFL), que havia nomeado a nora, uma sobrinha e dois netos, disse que o assunto não tinha importância:

- Eu vou trabalhar com estranhos? - perguntou ela na época.

Em janeiro deste ano, na primeira semana de trabalho da Câmara, um levantamento constatou que, entre os 24 novos integrantes da Casa, pelo menos nove nomearam ou pretendiam indicar parentes.

Também no início deste ano, foi a vez de um representante do Executivo recorrer a uma solução doméstica para montar sua equipe. O prefeito Toninho Branco (PMDB), de Búzios, escolheu o filho para a Secretaria de Esportes e a mulher para a pasta de Promoção Social. A justificativa foi a qualificação da mão-de-obra:

- Se você tem um parente competente, é melhor do que nomear alguém que você mal conhece.

Ainda no interior, em 2003 o prefeito de Varre-Sai, Antônio Said de Oliveira, o Lilica, tinha 35 parentes trabalhando com ele. Criticado pela oposição, ele disse que não havia contratado todos e que alguns já trabalhavam no município antes de sua posse.

Na capital, o prefeito Cesar Maia também recorreu à família para compor a equipe no início do seu segundo mandato, em 2001, com a nomeação de cinco parentes - irmã, cunhada e sobrinhos - para cargos com salários que variavam de R$3.500 a R$4.600. Na época, Cesar rejeitou a acusação de nepotismo e alegou que a palavra de ordem era competência:

- O parente não deve ser privilegiado nem discriminado.

Em janeiro de 1999, o então presidente da Alerj, Sérgio Cabral Filho, e o ex-governador Marcello Alencar trocaram acusações de favorecimento. O deputado tinha mulher, irmão, prima e ex-sogra empregados em cargos de confiança no Tribunal de Contas do Estado (TCE), órgão que assessora a Alerj mas tem autonomia administrativa. Cabral disse que nunca praticara nepotismo, enquanto Marcello sempre beneficiara parentes. O parlamentar negou ter influenciado os conselheiros do TCE para contratarem seus parentes. Já Marcello - que teve os filhos à frente de duas secretarias e um sobrinho na presidência da Cedae - disse que, na família Alencar, "todos os empregados são concursados, eleitos ou trabalham".

AS EXPLICAÇÕES

"Vai ser o paraíso das amantes, onde a entrada da mulher é proibida"

ELY PATRÍCIO Deputado do PSL que votou a favor da emenda

"Se a gente não puder confiar nos próprios parentes, em quem vai confiar?"

ELIANA RIBEIRO Deputada do PMDB, disse que não vai exonerar o filho do seu gabinete

"Meu filho fez oceanografia e eu sempre quis nomeá-lo. Ele é que não quer, diz que não é justo"

AURÉLIO MARQUES Deputado do PL que propôs que cada deputado pudesse nomear um parente

"Há abusos em todos os poderes, mas estão todos quietos, pois querem deixar o desgaste para o Legislativo"

JOSÉ BONIFÁCIO Deputado do PDT

"Vergonha é os parentes ficarem sem trabalhar. Eu não tenho vergonha dos meus parentes"

DOMINGOS BRAZÃO Deputado que tem uma irmã no gabinete

"A emenda é um avanço para a Casa, que está na vanguarda das outras assembléias"

PAULO MELO Um dos autores do projeto

"O nepotismo está em todo lugar, até na música. Você não vê o Chitãozinho e Xororó, o Zezé di Camargo e Luciano?"

RICARDO ABRÃO Votou contra a emenda

Legenda da foto: DOMINGOS BRAZÃO: "Se eu for reeleito, vou nomear de novo, vou à Justiça"