Título: A RIQUEZA DAS SOLTEIRAS
Autor: Cássia Almeida e Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 10/06/2005, Economia, p. 25

Pesquisa da FGV mostra que há mais mulheres de alta renda e formação vivendo sós

Até ontem, sexo, casamento e economia pareciam ter nada em comum - há quem desconfie que nem os dois primeiros termos se relacionem tão intensamente. Mas o pesquisador Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPS-FGV), decidiu repetir com estatísticas brasileiras experiências internacionais que misturam desempenho econômico e situação conjugal. Descobriu que a solteirice é particularmente rentável para as mulheres. Precisamente para as cerca de 19 milhões de brasileiras com mais de 20 anos de idade que vivem sem marido ou companheiro e, contrariando o senso comum de que casamento enriquece, têm renda 62% superior à recebida pelas casadas ou informalmente unidas.

No estudo batizado de "Sexo, casamento e economia", Neri explica que, das variáveis demográficas, o casamento é a que mais se envolve com as flutuações econômicas. Unir-se ou não a uma pessoa é questão mais de escolha, menos de fisiologia, como fecundidade e mortalidade. A relação entre casamento e economia é incomum no Brasil, mas foi profundamente investigada mundo afora, particularmente pelo americano Gary Becker, da Universidade de Chicago, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 1992.

- Fundamental é descobrir como fatores econômicos afetam o fato de uma pessoa estar casada ou não - diz Neri. - Houve uma revolução feminina nos últimos 30 anos, com a entrada maciça no mercado de trabalho. Isso permitiu a elas escolherem seu destino. O casamento indissolúvel, sustentado na dependência econômica, diminuiu bastante.

Casamento informal quadruplicou em 30 anos

A consultora Paula Vieira tem 41 anos, um trabalho que lhe rende entre R$12 mil e R$15 mil por mês, é pós-graduada em marketing e está vivendo sozinha há sete anos, depois de dois casamentos. Resume com precisão o perfil identificado na pesquisa. Quanto mais ricas, mais instruídas e mais velhas, mais sós vivem as mulheres, especialmente as que moram nas metrópoles. Nas capitais, 45% estão sozinhas; nas áreas rurais, 25%.

- Parece que os homens se assustam quando percebem seu nível de renda. Ainda têm na cabeça a imagem do provedor. Além disso, vamos ficando mais exigentes. Um dos motivos para o fim do meu primeiro casamento foi meu ex-marido não concordar com que eu trabalhasse - conta.

Não por acaso, 30 anos atrás seis em cada dez mulheres eram casadas. Hoje, o casamento no papel só seduz 45% delas. Os anos de emancipação fizeram crescer a solteirice (de 35% para 38%) e as uniões informais, que quadruplicaram desde 1970: de 4,4% para 16,5%.

Foi a opção da médica Amélia Souza. Aos 56 anos, com bom nível de renda e após dois casamentos, preferiu um relacionamento em casas separadas. Tem um parceiro há cinco anos e acha que não só razões sociais e econômicas determinam a escolha das mulheres:

- Há pessoas que preferem o casamento clássico. Outras, não. Não moramos juntos, mas há um compromisso. Há uma questão de temperamento nessa escolha também.

O estudo mostra que 48,5% das mulheres com pelo menos 12 anos de estudo vivem sozinhas, condição que também atinge 60% das que têm mais de 60 anos. A socióloga do Núcleo de Estudos da População da Unicamp Elisabet Dória Bilac afirma que o resultado tem uma explicação cultural. Os homens se casam com mulheres mais jovens e pobres, enquanto as elas procuram parceiro com perfil oposto:

- É uma coisa, de certa forma, perversa. Quando a mulher tem mais chance de escolher, o número de opções se reduz bastante.

O lado bom é não precisar manter uma união fracassada por falta de condições de sobrevivência. E não necessariamente por causa do trabalho. Neri chama a atenção para as mudanças nos direitos previdenciário e civil, que garantiram renda às descasadas e viúvas. Aposentarias e pensões são a segunda maior fonte de recursos das mulheres, seguida das transferências privadas - pensão alimentícia, para os íntimos.

A física Vera Soares, do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), comemora a emancipação feminina, mas torce para que a vida só seja uma escolha, em vez de fatalidade:

- É triste pensar que as mulheres estão sós porque priorizaram a profissão em detrimento da vida pessoal. Mas se estiverem felizes e ricas sem o clássico maridão, que ótimo!

inclui quadro: onde mora a solidão