Título: O dilema da hora
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 11/06/2005, O Globo, p. 2
A cantilena no ouvido do presidente Lula para mudar a composição do governo vem de antes do escândalo dos Correios. Começou logo depois da eleição municipal, quando se evidenciou a necessidade de equilibrar a representação da coalizão no governo. A pressão prossegue e Lula evita o assunto, mas sabe que precisa fazer uma reforma ampla. Sua dúvida é sobre a melhor hora.
Se resolve mudar a cara do governo agora, antes mesmo que a CPI comece a trabalhar e a jogar luz sobre os casos de corrupção e a suposta compra de deputados em prestações mensais, parecerá que está querendo tirar o foco do tumor exposto. Se demora mais, pode perder a hora. E ele é acusado, dentro do próprio governo, de ter deixado a relação com os aliados desandar, porque não fez a reforma logo depois da eleição municipal, dando um ministério ao PP e acertando os ponteiros com o PMDB. Em março, chegou a esboçá-la, mas ficou em apenas duas mudanças tópicas. O dilema de Lula se justifica, mas, segundo os mais próximos, ele está fechado em copas sobre o assunto. Deve-se atribuir ao desejo de alguns e à preocupação de outros as mudanças que têm sido mencionadas.
Ontem, o Planalto desmentiu que já estivesse decidida a substituição do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Fonte muito próxima do presidente Lula dizia, antes ainda da entrevista-bomba de Roberto Jefferson, é que não haveria mais aumentos de juros. Nem que isso custasse a substituição de Meirelles. A próxima reunião poderia até não adotar viés de baixa, mas alta, não haveria mais.
Quem conhece o estilo de Lula sabe que dificilmente ele afastará Meirelles antes que o processo a que responde o transforme em réu. Em nome da presunção da inocência, solidarizou-se com Jefferson antes de ele executar sua estratégia Jim Jones - morro, mas levo a seita. Mais generoso deve ser com Meirelles, que sacrificou um mandato de deputado para servir ao governo. As demissões nos Correios e no IRB são diferentes. De corrupção nos dois órgãos há indícios de sobra, inclusive uma fita que mostra um funcionário embolsando a propina.
Ademais, uma reforma, para ser eficaz e ter o impacto desejado, terá que ser feita no atacado. Quando e se ela ocorrer, será acompanhada de um significativo enxugamento do governo. Ministérios podem ser fundidos e estas tantas secretarias cujos ocupantes têm status de ministro passariam a ser o que são: departamentos setoriais dentro de pastas afins. Há algum tempo, esta medida seria bem recebida. Agora, é preciso mesmo saber a hora. Se a ênfase de Lula na reforma política, que tem relação tão direta com os desvios na relação entre o Executivo e o Legislativo, foi apontada como diversionismo, imagine-se a deflagração de uma reforma ministerial agora. Ainda mais quando a relação com os aliados, e até mesmo com o PT, está tão envenenada pela crise.