Título: Abin tinha agente nos Correios
Autor: Rodrigo Rangel
Fonte: O Globo, 11/06/2005, O País, p. 3

Agência diz que missão era oficial mas atuação do araponga foi descoberta pela PF

Adireção-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) admitiu ontem que tinha um agente infiltrado nos Correios e que este araponga tinha ligações de amizade com José Santos Fortuna Neves, um dos presos pela Polícia Federal sob acusação de fazer a gravação do pedido de propina na estatal. A Abin negou, no entanto, que integrantes do órgão, sucessor do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), tenham participado da gravação que flagrou o ex-chefe de compras dos Correios, Maurício Marinho, recebendo dinheiro e dizendo agir em nome do deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB.

Pela versão do diretor-geral da agência, Mauro Marcelo de Lima e Silva, a Abin soube da gravação - e do esquema montado por Marinho - cinco dias antes de a revista "Veja" publicar o teor da conversa em que o ex-chefe dos Correios aparece negociando propina com dois supostos empresários. Segundo o diretor, assim que recebeu a informação a Abin destacou um de seus mais experientes agentes para acompanhar o caso.

Abin nada informara à Polícia Federal

O araponga, remanescente do SNI, infiltrou-se nos Correios e teria descoberto o funcionamento do esquema. Para isso, contou com informantes lotados na estatal e com denúncias externas. Esse mesmo agente, de acordo com a Abin, é amigo do ex-espião Fortuna Neves, de quem fora colega no SNI. Fortuna foi preso anteontem pela PF, sob a acusação de organizar a gravação. A proximidade do funcionário da Abin com Fortuna, que queria usar a gravação para tirar Marinho do cargo, teria facilitado a obtenção das informações e da própria fita.

A ação desse agente secreto, que acabou flagrada nos grampos feitos pela PF, levou à suspeita do envolvimento de setores da Abin na trama. Mas a agência sustenta que seu servidor estava cumprindo missão oficial com intenção de investigar o esquema de corrupção nos Correios.

Mauro Marcelo disse que, desde o início, todos os passos do araponga, identificado como Langer, eram de conhecimento da direção da Abin, o que, segundo ele, elimina qualquer hipótese de o agente ter agido por conta própria, a serviço de terceiros.

- Era uma missão oficial - disse o diretor-geral, alegando que houve "uma falha de comunicação" com a PF, que não fora informada até anteontem do trabalho do agente infiltrado.

Chefe imediato de Langer, o diretor de Operações da Abin, Paulo Sérgio Ramos, disse ao GLOBO que o primeiro relatório sobre o caso foi enviado para o Palácio do Planalto no dia 20 de maio - quase uma semana após o escândalo ter vindo a público. A partir de então, o trabalho da Abin passou a ter outro objetivo: descobrir quem fez as gravações. Até aquele momento, o que se sabia era que os interlocutores de Marinho haviam se apresentado a ele com identidade falsa.

- Fortuna, que conversava com nosso agente, negava qualquer ligação com a gravação - disse Ramos.

As fitas do circuito interno de TV do prédio dos Correios permitiram o primeiro avanço na investigação. Um dos dois homens que gravaram Marinho até tentou despistar quando a funcionária da recepção lhe pediu o número do documento de identificação, mas acabou deixando rastro. Ele informou possuir o documento 12.688, da OAB do Distrito Federal. Mas o número era de uma advogada. Na conversa com Marinho, os homens faziam referência ao Paraná. Uma verificação na seccional da OAB descobriu que tratava-se de Joel da Silva Filho.

Cinco mil reais pela gravação da fita

O advogado, suspenso da Ordem desde 2003, apresentou seu próprio número de identidade e só trocou o estado. Ele foi preso anteontem pela Operação Deus nos Acuda, da PF. A partir de Joel, os policiais chegaram a João Carlos Mancuso, o homem que cuidou da parte técnica da gravação. Durante as investigações, a PF chegou à conclusão que a gravação fora encomendada por Fortuna. O militar da reserva da Marinha Arlindo Molina, preso no Rio, teria sido o intermediário. Segundo a Abin, Joel teria recebido R$5.000 e Mancuso, R$1.000.

A investigação feita pela Abin em paralelo ao trabalho da PF indica que Fortuna tentou negociar a gravação: ele teria dado dez dias para a direção dos Correios demitir Marinho, sob pena de tornar pública a fita. Como Marinho foi mantido, o escândalo foi detonado. O vídeo teria sido gravado entre 13 e 14 de abril.

A Abin diz que seu agente sabia que estava tendo suas conversas com Fortuna grampeadas pela PF. Mas, em momento algum, os dois órgãos se integraram. Langer e Fortuna chegaram a se encontrar às escondidas, para desviar a atenção dos policiais federais. Daí a suspeita que paira sobre o araponga, chamado ao Ministério Público para se explicar. Os procuradores ainda não se convenceram: querem provas de que Langer estava em missão oficial. Até ontem, ele não havia apresentado os relatórios que preparara durante o trabalho, sob o argumento de que os documentos são secretos. Na dúvida, o Ministério Público pediu esclarecimentos ao chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Jorge Félix, a quem a Abin é subordinada.

- O que houve foi uma falha de comunicação entre a atividade de infiltração da Abin e a atividade de polícia da PF e isso levou à errônea interpretação de que a Abin teria participação no ilícito - disse Lima e Silva. - Toda operação dentro da agência passa pela mesa do diretor - emendou.

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Polícia faz acareação entre suspeitos

BRASÍLIA. A Polícia Federal faz hoje uma acareação entre Maurício Marinho, João Carlos Mancuso e Joel Santos Filho. Mancuso e Santos Filho assumiram que foram contratados para gravar Marinho recebendo um maço de R$3 mil numa sala dos Correios. Os dois apontaram o nome do homem que negociou o serviço, que seria um dos intermediários do esquema. Santos Filho disse que recebeu R$5 mil para fazer a gravação que detonou a crise política.

Mancuso disse que foi convidado por Santos Filho para gravar as cenas de suborno. Santos Filho confirmou o convite. Hoje, a PF deve ouvir o depoimento do militar da reserva Arlindo Molina. Ele e o ex-agente do SNI José Santos Fortuna são suspeitos de envolvimento com as gravações. Todos estão presos em Brasília.

Legenda da foto: FORTUNA: ENCONTRO secreto com araponga para despistar Polícia Federal