Título: DE QUEM A CULPA, ENTÃO?
Autor: Zuenir Ventura
Fonte: O Globo, 11/06/2005, Opinião, p. 7

E Sérgio Naya, hein, quem diria, foi absolvido! Ou melhor, está "limpo", como dizem os criminosos de colarinho sujo. Se eu fosse ele, entraria agora na Justiça com uma ação pedindo reparação moral pelos danos causados à sua imagem. Se tudo o que foi escrito, mostrado e provado contra ele era injusto e só serviu para absolvê-lo pelo desabamento, em 1998, do prédio que sua empresa construiu, matando oito pessoas e deixando 120 famílias desabrigadas, que seja então indenizado e recompensado. Não é nada, não é nada, o ex-deputado tem uma reputação a zelar.

Como declarou a presidente da Associação das Vítimas do Palace II, Rauliette Barbosa, depois do julgamento da 7ª Câmara Criminal, "se ele não é culpado, os culpados então somos nós". Ou o Ministério Público, que, segundo os desembargadores, cometeu um erro técnico, mudando a classificação do crime de doloso para culposo, e essa mudança "ofende o princípio da correlação entre a denúncia e a sentença".

Embora o MP vá recorrer, trata-se de uma incrível vitória de Naya, que aliás nunca deixou de acreditar na Justiça. Só em Brasília, já teve 968 processos envolvendo dívidas e execuções fiscais, e isso não impediu que ele e sua construtora, a Sersan, obtivessem empréstimo de R$13 milhões no Banco do Brasil e contraíssem uma dívida de R$62,7 milhões na Previdência.

Sempre muito franco, ele acusou as vítimas de querer ficar ricas às suas custas: "Vou lutar até o fim contra as indenizações." No ano em que o prédio ruiu, comemorou com champanhe o réveillon no seu hotel da Flórida, reclamando num vídeo: "Essas taças são de pobre... miséria, miséria." Depois, numa reunião com vereadores de Três Pontas, confessou com a mesma franqueza ter falsificado a assinatura de um governador - "falsifico mesmo" - e ter feito contrabando, além de se apossar de bem público e usar nome falso para se hospedar num hotel no Rio.

Na Câmara dos Deputados, Naya teve menos sorte do que tem tido na Justiça. Diante das provas, o plenário venceu o corporativismo e votou pela sua cassação por quebra de decoro parlamentar: não aceitou os argumentos da defesa de que aquelas confissões eram apenas "bravatas". Como leigo, não devo fazer idéia de como é grave a tal ofensa do "princípio da correlação entre a denúncia e a sentença" que levou à absolvição do réu. Só sei que alguém precisaria dar resposta à médica Bárbara Alencar, que perdeu a filha na tragédia: "Se a Justiça diz que Naya não é culpado, de quem é a culpa? É da minha filha? É minha porque deixei que ela fosse visitar o pai no prédio?"