Título: OS INIMIGOS
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 11/06/2005, Opinião, p. 7

Nas últimas semanas antes da morte de João Paulo II, a situação crítica da saúde do Santo Padre provocou reflexões sobre o relacionamento entre Cristo e a Igreja. O Concílio Vaticano I afirmou que Jesus "decidiu edificar a Igreja" e o Vaticano II (em "Lumen Gentium" nº 18), seguindo o anterior, declarou: Jesus Cristo "edificou a Igreja, tendo enviado os Apóstolos, como Ele fora enviado pelo Pai (cf. Jo 20,21) e quis que os sucessores deles, os bispos, fossem pastores de sua Igreja até ao fim dos tempos", constituindo Pedro como cabeça e alicerce de sua obra.

A atitude de João Paulo II revela, à saciedade, a importância do seu papel de preservar a doutrina. Chamá-lo depreciativamente de "conservador" revela ignorância. Ele foi posto à frente do rebanho para assegurar a autenticidade dos ensinamentos de Jesus. Ao cumprir o mais elementar dever decorrente de sua posição, revela sua fidelidade.

Entre tantos outros, um artigo mereceu minha atenção. Não pelas acusações a João Paulo II e, sim, pelo autor se declarar "católico" e, como tal, pregar uma doutrina diferente dos ensinamentos de Cristo. Outros organizavam listas das alterações a serem introduzidas no corpo doutrinário, como a ordenação de homens casados, o celibato opcional, o divórcio e o recasamento, a contracepção, o homossexualismo e a ordenação de mulheres.

Os que aderem a essas proposições, que alguns agrupam sob o título de "ala liberal da Igreja", na verdade, são inimigos do Evangelho, pois tais ensinamentos contrariam a Doutrina de Cristo.

A grande maioria, no entanto, segue as normas do Pastor supremo. O que o mundo presenciou nestes dias vem comprovar que o rebanho está com seu Pastor legítimo e não segue os falsos mestres.

São abundantes os exemplos da Sagrada Escritura e Tradição sobre essa matéria. Desde a época apostólica até aos tempos modernos, a Igreja continua seu rumo. E, com mão carinhosa, alerta seus fiéis que se desgarraram a retornarem ao aprisco.

Defender hipóteses, com argumentos falaciosos, faz nascer falsas esperanças, provocando graves prejuízos. O extraordinário e comovente espetáculo de fé que presenciamos mostra à saciedade "que o bom povo de Deus" é fiel a João Paulo II, Bento XVI e a seus pastores. Passados esses dias de tristeza, as vozes dissidentes voltaram a pregar um cristianismo que difere do autêntico. Eles são mais perniciosos à obra de Jesus que os claramente opostos aos ensinamentos do Senhor.

Não há duas Igrejas: a liberal e a conservadora, repito. Todo o corpo doutrinário tem a assistência do Espírito Santo até ao final dos tempos. A missão da Igreja é a mesma missão de Cristo, que assim afirma: "Como o Pai me enviou, eu vos envio" (Jo 20,21). O evangelista se refere ao pequeno grupo, no domingo da Ressurreição: "À tarde desse mesmo dia, o primeiro da semana (domingo), estando fechadas as portas onde se achavam os discípulos por medo dos judeus, Jesus veio e, pondo-se diante deles, lhes disse (...) 'A paz esteja convosco'. E a seguir, acrescentou: 'Como o Pai me enviou, também eu vos envio'." São Paulo, na Epístola aos Colossenses (2, 4 ss), exorta e admoesta: "Digo isto para que ninguém os engane (...) tomai cuidado também para que não vos escravize, por vãs e enganosas especulações filosóficas, segundo a tradição dos homens, segundo os critérios do mundo e não os de Cristo."

O "bom povo de Deus" tem o direito de receber do Papa Bento XVI, que a Providência colocou à frente do rebanho, a grande alegria da boa nova, para a própria santificação e sempre nova conversão, para testemunhar o amor no meio do mundo a ser evangelizado ou necessitado de nova evangelização.

Enquanto os leigos buscam manter-se fiéis ao Evangelho de Cristo, ensinado pela sua Igreja, também há indivíduos ou grupos que não obedecem ao magistério eclesiástico. Tomam posições pessoais e lançam dúvidas sobre o novo Papa, que a Providência divina colocou à frente de sua Igreja. Assim ele se dirigia, pela primeira vez, à multidão, no dia 19 de abril: "Os senhores cardeais escolheram a mim, um simples e humilde operário da vinha do Senhor. Consola-me o fato de que o Senhor sabe trabalhar e agir também com instrumentos insuficientes; e, antes de tudo, confio-me às vossas orações."

Como é diferente a linguagem de Deus e o parecer dos homens! Até o Conclave alguns descreviam o cardeal Joseph Ratzinger de modo negativo. Eleito, surge na fachada da Basílica de São Pedro. Suas palavras foram suficientes para restabelecer a verdadeira face do atual Sucessor de Pedro. E ei-lo saudado entusiasticamente pelas multidões.

E os aplausos continuaram por toda a parte. Os fiéis amam o Papa, quer se chame João Paulo II ou Bento XVI. E a Jesus Cristo que os envia para guiar sua Igreja.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito do Rio de Janeiro.

Alguns vêem uma "ala liberal da Igreja". Na verdade, são inimigos