Título: Política na economia
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 11/06/2005, Economia, p. 26

Esta semana, a crise política rompeu o dique e invadiu a economia. Pela primeira vez, as trapalhadas do governo na área política assustaram os investidores. O resultado foi um estrago moderado nas cotações. Na sexta-feira, a economia manda dizer que dará um ligeiro alívio à crise: o IPCA em queda permitirá ao Banco Central parar de subir os juros; e depois reduzi-los no pior da crise.

Os bancos já estão apostando que agora é o fim do ciclo de alta de juros. Na próxima reunião, eles devem ser mantidos no nível - altíssimo - em que estão e começarão a ser reduzidos dentro de alguns meses. Outra boa notícia que pode até encurtar esse horizonte de queda é que há sinais de que os IGPs ficarão abaixo dos IPCs este ano. Resultado: as tarifas sobem menos no ano que vem e isso confirma o cenário de queda dos juros.

A conjuntura está melhorando, mas há sinais de dificuldades mais à frente. O cronograma de rolagem da dívida para o começo de julho é alto, conforme alerta o relatório semanal do Banco Itaú: são R$54 bilhões. "Se o mercado azedar, o governo pode ser forçado a não rolar sua dívida, aumentando suas operações de overnight", diz o texto. Como as taxas de juros estão mais altas no curto prazo que no longo, isso significa um aumento imediato do custo de rolagem da dívida. O mercado ainda não azedou, lembra o banco. De fato. Ele apenas percebeu que a natureza desta crise é diferente de outras que surgiram nos últimos dois anos e meio e ficou em alerta.

O mercado acendeu a luz amarela, isso aparece nos contatos dos bancos com os clientes, nos relatórios, nos "calls" entre a equipe aqui e a do exterior. Mas ainda há pouco impacto nos indicadores.

Nos primeiros quatro dias da semana, o dólar tinha subido 2,9%, o Ibovespa caído 7%. E os juros para janeiro de 2007 aumentaram de 17,71% para 18,25%. Mas ontem, com o resultado do IPCA mais baixo que o previsto, o humor do mercado melhorou, o que não impediu que a semana fechasse com dados negativos. O dólar em alta de 1,97%, o Ibovespa em queda de 5,37% e os juros para janeiro de 2007 em alta. Os juros de curto prazo caíram exatamente pelo alívio do IPCA. O risco subiu e caiu: foi de 416 a 443 e ontem fechou em 427.

Esses números parecem pouca coisa. E são. Mas o que é mais importante é a mudança de atitude. Até há pouco tempo o risco político brasileiro era considerado cadente. A análise dos investidores daqui e do exterior era que a grande dúvida sobre o Brasil já havia sido respondida: se o governo do PT mudaria a política econômica. Agora voltaram a surgir outras dúvidas, inclusive esta: há medo de que o governo, pressionado pela perda de popularidade, resolva usar o velho e ineficiente remédio do populismo.

Por enquanto, a economia internacional, o excesso de liquidez, a coincidência do fim do ciclo do aperto monetário, a queda da inflação vão mandar sinais atenuadores da crise político-policial que se abateu sobre a base governista. Mas a economia não faz milagres. Se o governo continuar errando, se revelações indicarem a transformação da crise política em crise institucional, a política vai contaminar a economia; inevitavelmente.

Quais são as vantagens que temos agora em relação a qualquer outro momento de turbulência que enfrentamos? O Brasil tem melhores fundamentos. Há sete anos o país tem superávit primário; há três anos, tem superávit em transações correntes. O comércio externo saiu de um déficit de US$8,6 bilhões em 98 para um superávit de US$38 bilhões nos últimos 12 meses. Tem US$62 bilhões de reservas. A dívida externa encolheu. A dívida pública caiu 10 pontos percentuais do PIB. O perfil de dívida melhorou, mas isso pode mudar por causa da turbulência, com os financiadores querendo títulos mais curtos.

Os complicadores: o Brasil ainda tem dívida alta, tem a maior taxa de juros do mundo, está com uma taxa de inflação ainda alta, é classificado pelas agências de risco como um mau pagador. No que interessa mais ao público interno, a economia está afundando, num momento de queda dos investimentos e redução forte do crescimento.

A saída do presidente Henrique Meirelles, se acontecer, não deve provocar maiores turbulências, principalmente se o indicado for mesmo Murilo Portugal. A notícia foi negada, mas o mercado trabalha com essa possibilidade desde o início dos problemas de Meirelles no Supremo. A presença de Portugal no governo é uma espécie de tranqüilizante preventivo.

Mas o presidente do Banco Central está longe de ser o problema maior do governo. Tirá-lo não resolveria nada do que é importante. O governo precisa do que não tem: visão estratégica e cabeça fria para enfrentar a crise. A sociedade quer informação mais relevante do que a do sofrimento do presidente Lula no segundo tempo do jogo contra a Argentina. Os líderes políticos governistas precisam ter uma atitude menos arrogante e mais negociadora e os operadores precisam saber antecipar-se a cada evento, atuando para neutralizá-lo. A semana que vem será, de novo, tensa, com os depoimentos do deputado Roberto Jefferson e a escolha do presidente e relator da CPI.

A semana termina com uma palavra alimentando as dúvidas: chantagem. Segundo Delúbio Soares, alguém está chantageando o partido e o governo. Repetiu a palavra. Ela significa extorquir ou constranger alguém sob ameaça de divulgação de algo escandaloso. Era para esclarecer; e complicou.