Título: INDÚSTRIA DO BRASIL SE ARMA CONTRA A CHINA
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 11/06/2005, Economia, p. 30

Setores que se sentem prejudicados preparam pedidos para tentar frear a entrada de produtos chineses no país

BRASÍLIA. Uma fila de setores importantes da economia brasileira aguarda a publicação, que deve ser feita até o fim do mês, de dois decretos que permitirão ao governo do Brasil a aplicação de salvaguardas específicas para a China. Representantes das áreas têxtil, calçadista, eletroeletrônica, de bens de capital e de brinquedos, entre outros, encaminharão ao Departamento de Defesa Comercial (Decom) do Ministério do Desenvolvimento pedidos de cotas ou sobretaxas temporárias, com o objetivo de proteger as indústrias nacionais das importações de produtos chineses.

A criação de salvaguardas específicas é uma espécie de pedágio que ajudou a China a entrar, em 2001, na OMC. O decreto instituindo esse tipo de proteção para todos os produtos, à exceção dos têxteis, é baseado no artigo 16 do documento oficializando o ingresso dos chineses na OMC. Esse dispositivo vai vigorar até 2013. Já as salvaguardas para têxteis e confecções valerão até 2008 e estão previstas no artigo 292 do Acordo de Têxteis e Vestuário.

Crescimento de importação preocupa indústrias

A Associação Brasileira das Indústrias Têxteis (Abit) afirma que só vai se manifestar sobre o assunto quando os decretos forem publicados, mas avisa que a decisão já está tomada. Dados da entidade mostram que as compras de tecidos e confecções da China cresceram 56% nos quatro primeiros meses deste ano frente ao mesmo período de 2004.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Élcio Jacometi, é mais categórico:

- É claro que não vamos ficar quietos. Só estamos aguardando a publicação do decreto que nos interessa - afirma Jacometi.

Segundo ele, entraram este ano no país cerca de 6 milhões de pares de calçados chineses, concorrentes com preços bem mais competitivos. O presidente da Abicalçados acrescenta que as compras da China cresceram quase 60% no primeiro quadrimestre.

Cientes de que a partir deste mês deixarão de se beneficiar com uma tarifa de 20% sobre as importações de brinquedos de todos os países - medida que está em vigor desde 1998 - os fabricantes do setor se preparam para pegar carona no novo instrumento. A Associação das Indústrias de Brinquedos (Abrinq) confirma a informação e alerta que já existe uma invasão de produtos importados no Brasil. De acordo com a entidade, as compras da China cresceram 84% nos últimos dois anos.

- A concorrência do brinquedo chinês com o brasileiro é desleal - diz o presidente da Abrinq, Synésio Batista.

Segundo ele, um dos maiores problemas é o subfaturamento nas importações. Ou seja, há importadores que declaram um valor bem menor do que realmente custa o produto na alfândega e, como em alguns casos o preço chega a 10% do valor real do brinquedo importado, as indústrias nacionais perdem ainda mais competitividade. Enquanto o preço médio do quilo do brinquedo em todo o mundo é da ordem de US$10, em alguns portos brasileiros são registradas guias de importação no valor de US$1,1 o quilo.

Já o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Newton Mello, afirma que há dois produtos que, certamente, serão objeto de representação do setor contra as importações da China: injetoras para plástico e máquinas para metais seriadas de pequeno porte.

- Os dois segmentos sofrem concorrência predatória da China, não só porque o cambio é mais favorável, mas também porque os importadores praticam operações fraudulentas, como subfaturamento. Vamos entrar com o pedido de salvaguardas e exigir investigação - informa Mello.

A Associação Brasileira da Indústria de Eletroeletrônicos (Abinee) está analisando o quadro. Contudo, decidiu que, pelo menos no caso das compras de alto-falantes, cujas importações da China já ocupam 60% do mercado nacional, haverá petição.

- Estamos estudando os próximos passos com cautela, pois em determinados casos o Brasil é altamente dependente das importações. Um exemplo são as peças e os componentes - diz Humberto Barbato, diretor de Relações Internacionais da Abinee.

- A questão é complicada. Há setores que querem as salvaguardas, mas outros evitam brigar com a China, que também é um grande importador - lembra Renato Fonseca, economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

De fato, este é o caso das indústrias químicas que, embora tenham registrado um déficit de US$352 milhões com a China em 2004, querem entrar naquele mercado, que é muito comprador. Por isso, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Químicas (Abiquim), o ideal é investir numa parceria.

O presidente da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, recomenda cuidado com as restrições a produtos da China. A queda das compras, diz ele, pode atingir os investimentos em grandes projetos.

O Ministério do Desenvolvimento esclarece que o fato de um determinado setor entrar com um pedido de salvaguardas não significa que a medida será executada. Uma das principais condições é provar que as indústrias brasileiras estão tendo prejuízos devido ao aumento da participação dos produtos importados no consumo interno.

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INCLUI QUADRO: O COMÉRCIO ENTRE OS DOIS PAÍSES / PRINCIPAIS PRODUTOS IMPORTADOS DE JANEIRO A ABRIL DE 2005