Título: LULA SE DESCOLA?
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 13/06/2005, O País, p. 4

Descolar ou não descolar, eis a questão. Ontem, no mais difícil momento da pior crise política que já viveu, a cúpula do governo se dividia em mais uma dúvida hamletiana. Era imensa a pressão, inclusive entre auxiliares mais próximos do presidente, pelo afastamento do ministro José Dirceu. Como pano de fundo, uma estratégia para tentar descolar Lula do PT, ainda que temporariamente.

O argumento predominante nesse grupo - dando nome aos bois, entre seus integrantes estaria o ministro Luiz Gushiken, além de outros mais chegados ao presidente - era de que, a esta altura, a única forma de se salvar do naufrágio é lançar carga ao mar, no governo e no PT.

E mesmo a conhecida resistência do presidente a dispensar auxiliares acusados para não cometer injustiças ou pré-julgamentos poderia ser vencida com a explicação de que já houve outros casos assim. Como o do chefe da Casa Civil de Itamar Franco, Henrique Hargreaves, que, acusado, deixou o cargo. Inocentado, voltou depois ao governo. José Dirceu, a pedido, afastar-se-ia para voltar à Câmara e, de lá, defender a si e a seu partido. Se nada for provado, voltaria.

O problema é que o governo Lula não seria o governo Lula se não houver um outro grupo pensando exatamente o contrário - e essa proposta de linha de ação era a que predominava ontem à noite, antes de se concluir a reunião entre o presidente, Dirceu e Genoino.

Entre esses, que também estiveram com o presidente ontem, está o ministro Aldo Rebelo e outros colegas de partidos aliados, como Eduardo Campos e Eunício Oliveira. Ainda que ninguém imaginasse, um dia, ver a cena de Aldo defendendo Dirceu, foi o que aconteceu. Mais inusitado ainda, quem parasse para reparar bem perceberia ontem que a maioria dos que defendiam a saída de Dirceu eram petistas, enquanto os aliados pregavam sua permanência.

O argumento do coordenador político do governo era de que, dispensando Dirceu e se afastando de integrantes da cúpula do PT, como José Genoino, o presidente estará, na verdade, fazendo o jogo da oposição. Lançará o PT ao mar, enfraquecendo-o a ponto de mandar para o espaço o projeto reeleição e qualquer chance de desempenho razoável em 2006.

Isso é tudo o que o PSDB quer, considera o ministro, para quem, a esta altura, o embate entre governo e oposição em torno da CPI e das denúncias do mensalão está bem delineado. Na visão do Planalto, sob o argumento da governabilidade, o que Fernando Henrique e seus tucanos querem é ver Lula governando até o fim do mandato, mas bem fraquinho.

Por isso, à luz desse ponto de vista a tática correta agora seria reorganizar a tropa aliada e ir à luta amanhã, na terça-feira negra. Isso inclui lutar até o fim para manter a maioria na CPI, assegurando a relatoria e a presidência, e reagrupar PTB, PP, PL. O PMDB foi procurado pelo ministro Aldo ontem, e deu sinal verde. Apesar do comportamento ambíguo dos últimos dias, os peemedebistas disseram que estão ao lado do governo nesse primeiro embate na CPI.

Ainda vivendo seu dilema, o presidente Lula pode amanhecer hoje pensando diferente. Mas o que fica claro, depois de mais uma entrevista de Roberto Jefferson à "Folha" e mais denúncias sobre a existência de desvios de recursos públicos para arrecadação dos partidos, é que o maior desafio da CPI que começa a trabalhar amanhã - e do governo, se quiser sobreviver para 2006 - é dar uma resposta à opinião pública.

A esta altura do campeonato, o que resta a fazer é apurar, apurar e apurar. Denúncias sem provas confundem a opinião pública, juntam verdades e mentiras no mesmo saco, às vezes destroem reputações. Mas quando não são verdadeiras caem no vazio. Por outro lado, a história recente dos escândalos políticos mostra que, por mais que se abafe, a verdade acaba se impondo. Aparece com uma secretária, um motorista, ex- mulheres ressentidas com documentos.

O que tudo isso pode representar para o futuro de Lula e do PT, não se sabe até agora. O certo é que Lula sem PT e PT sem Lula é algo inimaginável - o que torna capenga, por si só, qualquer estratégia de descolamento. O próprio presidente, que está de fato muito aborrecido com seu partido, admite, porém, que sua imagem e a do PT são indissociáveis. E que o caminho que tomar agora tanto pode garantir como comprometer o futuro.

Não fosse assim, não teria Lula dito textualmente a um auxiliar recentemente: "Não vou vender minha alma pela reeleição".