Título: Lula, o cravo e a ferradura
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 12/06/2005, O Globo, p. 2

Na sexta-feira, o presidente Lula planejava ter hoje uma conversa com o ministro José Dirceu. Pela primeira vez, está disposto a atender ao desejo reiteradamente manifesto pelo ministro de deixar o governo. Mas se chegarem de comum acordo a esta solução, Lula contrabalançará o jogo podando os poderes do ministro Palocci e da equipe econômica.

Dúvidas sobre a melhor hora para implementar estas mudanças ele tem. Com a temperatura lá em cima, diriam que lança fumaça à crise. Se a crise se amainar muito, perde a chance de impor suas escolhas aos partidos aliados - inclusive o PT - hoje todos de crista baixa. Mas numa das poucas conversas francas sobre o assunto, insinuou que o recesso de julho, se houver, pode ser a hora.

No auge do caso Waldomiro, ainda muito abalado, Dirceu dizia que nunca mais seria o ministro que fora. Deixaria o governo logo que a poeira baixasse. Mas continuou sendo alvo da oposição - agora claramente interessada em vinculá-lo ao suposto pagamento de mesada aos deputados - e perdeu a esperança de que Lula exigisse uma correção de rumo na política econômica. Voltando à Câmara, acha que ajudará mais o governo numa Casa em que a defesa é fraca e o PT em sua hora mais terrível. Lá também, andou dizendo, poderá dizer o que não pode sendo ministro - seja isso criticar abertamente a política econômica ou duelar a seu modo com a oposição. Se isso acontecer, para o bem ou para o mal, o governo jamais será o mesmo.

Agora o presidente estaria também decidido a impor limites à área econômica. Já teve uma primeira conversa com Palocci, em que declarou esgotado o ciclo de aumento dos juros. E diante do superávit de 7,2% do PIB, voltou a cobrar outro ritmo de execução orçamentária e aceleração dos investimentos. Na semana passada, atuou pessoalmente para aumentar a disponibilidade de recursos para saneamento. Esta cobrança vem do ano passado. Palocci concordou, mas a equipe continuou com o pé no freio. Dinheiro para a recuperação das estradas terá que sair, dentro do possível. Brasil afora, este é um dos pontos críticos na avaliação do governo. Na sexta-feira, Lula teve longa conversa com o presidente do BNDES, Guido Mantega. Certamente para tratar de investimentos. Emendas de parlamentares, ele já havia pedido que não fossem deixadas para o fim do ano, mas a liberação continuou em marcha lenta, para irritação dos parlamentares da base. No esforço para evitar a CPI é que o ministro Palocci entrou em cena, negociando liberações, num movimento que acabou tendo efeito negativo.

Da reforma que Lula planeja, o governo sairá menor, mas representará melhor a coalizão. O problema é que, no rugir da crise, não se sabe ao certo o que sobrará dela. Por isso, talvez ele espere que a CPI produza os primeiros resultados. Quem tiver de se queimar, queimará.

Os erros do PT continuam incomodando o presidente, que espera pelo menos uma atitude sensata, o adiamento da disputa interna para a eleição da direção em setembro, que virou munição na crise. Na reforma política, insistirá mesmo, chamando a um amplo acordo. Conversará com tucanos, pefelistas, com quem for preciso.

De resto, apesar da crise, Lula foi para a Granja do Torto na sexta-feira com a tranqüilidade que tem desconcertado os mais abalados. Repetindo que não sabe aonde a CPI chegará, mas que a ele, jamais. Só teme que ela se arraste por muito tempo e as incertezas inevitáveis prejudiquem o país - não exatamente o governo ou o projeto da reeleição.

Este é o plano da ressurgência, contra o cálculo da oposição de que o governo não sairá mais da ladeira que leva ao fosso em que agonizará até morrer em 2006.

Algumas da crise

1. Crises são momentos que turvam os sentidos e alteram percepções. O PT tem cometido todos os erros, mas a oposição também faz movimentos de alto risco. Um deles, queimar as pontes com os partidos do chamado centrão - PTB e PP principalmente, que já foram aliados da coligação PFL-PDSB. Jogando-os na fogueira, será muito difícil atraí-los para uma aliança em 2006, como já foi cogitado. E seria fácil com o governo em baixa.

2. O adiamento das eleições diretas no PT, o chamado PED, marcado para setembro, diz respeito ao futuro do partido, não apenas ao rugir da crise. Se a CPI alcançar Delúbio Soares e por meio dele a cúpula do partido, os radicais ganham uma chance de capturar a direção partidária, como já aconteceu uma vez. Mas aí viria o racha, este destino atávico dos partidos de esquerda. Lula também quer o adiamento.

3. Se Delúbio Soares é um comprador de votos no Congresso para o PT e o governo, a CPI descobrirá. E este será um crime sem precedentes. Mais que corrupção, um atentado à democracia. Se for inocente, a oposição terá feito com ele o que PT e os procuradores fizeram no governo passado com Eduardo Jorge.

SILVIO PEREIRA, secretário-geral do PT, é conhecido pelo emprego das palavras fora do lugar, como "esta consternação de estrelas". Não é dele mas produto do humor negro petista: "depois da tempestade, vem o Delúbio".