Título: 'O limite para a investigação é nenhum'
Autor: Jailton de Carvalho e Francisco Leali
Fonte: O Globo, 12/06/2005, O País, p. 12

Lacerda afirma que Lula já deixou claro que a PF tem total autonomia na apuração de denúncias de corrupção

Os escândalos de corrupção estão ocorrendo em ritmo cada vez mais acelerado no país, mas o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, diz continuar otimista. Para o delegado, a corrupção não está aumentando, e sim aparecendo mais, pois a democracia permite que a imprensa e instituições como polícia, Justiça e Ministério Público trabalhem.

- Seria muito fácil impedir que as instituições funcionem. Isso ocorre numa ditadura, em que o ditador pode impedir as instituições de apurar. Os fatos que surgiram demonstram que a democracia vem sendo observada em sua plenitude - diz Lacerda.

Segundo ele, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, já manifestaram apoio irrestrito às investigações sobre as fraudes nos Correios e em qualquer outro órgão do governo federal.

- O limite para a investigação é nenhum.

Para Lacerda, o financiamento público das campanhas é um mecanismo importante de controle da corrupção e terá um custo menor para a sociedade, pois boa parte das denúncias de irregularidades tem origem em relações incestuosas entre políticos e financiadores privados de campanhas eleitorais.

O fato de as investigações sobre os Correios esbarrarem em políticos e partidos da base dificulta o trabalho da Polícia Federal?

PAULO LACERDA: Não dificulta porque, desde o início deste governo, a Polícia Federal tem trabalhado com total autonomia no que diz respeito à investigação. O presidente da República e o ministro da Justiça sempre têm dado apoio. Agora, diante dessa crise, o presidente da República também tem manifestado seu apoio ao trabalho da PF. Portanto, não vai de maneira alguma prejudicar, sejam quais forem os envolvidos.

Se a PF tiver que investigar o mensalão, também não terá problema?

LACERDA: Não. O único aspecto que vamos ter que aguardar é uma manifestação do Supremo Tribunal Federal. A Polícia Federal não pode, por conta própria, investigar autoridades que gozam de prerrogativa de foro especial.

Mas, se nessas investigações dos Correios, a PF esbarrar em políticos suspeitos de receber o mensalão?

LACERDA: Aí nós vamos investigar dentro do inquérito como também podemos auxiliar a Comissão Parlamentar de Inquérito (do Mensalão ou dos Correios) nas apurações que forem necessárias.

A corrupção no Brasil está aumentando? O que está acontecendo com essa onda de denúncias de corrupção?

LACERDA: Sempre houve corrupção e ela existe em qualquer país. O que deve se verificar é a atitude que se adota diante dela. Os fatos que estão surgindo são uma demonstração de que a democracia vem sendo observada em toda a sua plenitude porque possibilita que a imprensa trabalhe e que as instituições trabalhem, ainda que tenha esse aspecto negativo de constatar pessoas em órgãos públicos envolvidas nesses fatos ou atividades ilícitas. A corrupção não está aumentando, ela está aparecendo. Seria muito fácil impedir que as instituições funcionem. Isso ocorre numa ditadura, em que o ditador pode impedir as instituições de apurar. Não apenas o Judiciário e o Ministério Público, como também a imprensa. Isso pode dar uma idéia de que não existe corrupção, que está tudo sob controle. Mas hoje não vejo o que está acontecendo com pessimismo. Estou há 30 anos nessa vida de apuração e sempre vi a corrupção. Órgãos que já foram extintos por causa de corrupção. Sempre foi assim. Agora, a gente está tendo condições de aprofundar nessas apurações. Estou otimista, apesar desse quadro.

Mas a cultura nacional tem algo específico que faça do Brasil um terreno mais fértil para a corrupção do que outros países?

LACERDA: Acho que não. Grande parte da população é contra a corrupção. O que precisamos é mudar um pouco a cultura política. Com uma reforma política que venha modificar os requisitos de financiamento de campanha, por exemplo. Há muito tempo existem propostas para alterar essas regras da política.

Tem gente que compara o episódio que levou à destituição do ex-presidente Fernando Collor de Mello com o momento atual. É um exagero a comparação?

LACERDA: Aquele episódio demonstrou que havia um esquema de corrupção dentro de setores do governo que resultou no impeachment de um presidente. É uma situação concreta que se comprovou do ponto de vista político a despeito de, no Judiciário, ele ter sido absolvido. Hoje, a gente está numa situação de constatação de possível corrupção em dois órgãos públicos e notícias de envolvimento de parlamentares que vão demandar investigações para que a gente possa aquilatar se o que está sendo divulgado tem essa proporção. Estamos no caminho certo e, sobretudo, a postura que o presidente da República adotou em relação a essas questões deixam aos órgãos de fiscalização a sinalização que não há dúvida alguma sobre limites a se apurar.

E qual é o limite?

LACERDA: O limite é nenhum. Temos a convicção absoluta de que aquilo que a Polícia Federal faz em outras investigações também vai ocorrer neste caso.

O senhor é favorável ao financiamento público de campanhas políticas?

LACERDA Completamente. Alguns dizem assim: "Tirar dinheiro da educação, da saúde para dar para políticos é absurdo". Mas acredito que vai sair muito mais barato. Desde que você também criminalize a conduta daquele que dá por fora (contribuição não declarada) e daquele que recebe por fora (caixa dois). O governo vai pagar as campanhas mas quem estiver fora das normas vai responder por uma conduta criminal. Se fizer isso, vai sair muito mais barato. Se você verificar bem, durante todo o período, inclusive em ano não-eleitoral, existem casos em que você encontra pessoas procurando empresários e dizendo: "Tenho dívida de campanha, estou precisando de uma ajuda". Ou então: "Estou formando um caixa de campanha para a próxima eleição, preciso de dinheiro". Então está sempre em campanha, nunca pára.

Mas uma lei desta natureza seria suficiente?

LACERDA: Não. É preciso também condenar (os culpados) e fazer com que eles cumpram a pena.

"Acho que a corrupção não está aumentando, ela está aparecendo"

"O que precisamos é mudar um pouco a cultura política. Com uma reforma política"