Título: A MÃE DE TODOS OS CORRUPTOS
Autor: Paulo Guedes
Fonte: O Globo, 13/06/2005, Opinião, p. 7

Chegamos a uma situação absurda. Dois partidos de esquerda, o PT e o PSDB, alternam-se no poder e, agora, acusam-se mutuamente de corruptores, por praticar a compra dos partidos de direita - e ainda por cima, segundo a acusação comum, para implementar programas de direita. O que parece politicamente incompreensível é simplesmente o resultado inevitável da ininterrupta expansão de gastos públicos ao longo das últimas decadas.

Meados dos anos 80. A escolha era óbvia. À direita, autoritarismo e corrupção. À esquerda, democracia e justiça social. O regime militar, inspirado pela tradição, família, propriedade, pátria e anticomunismo, saía pela porta dos fundos. Inaugurávamos a Nova República, do "tudo pelo social" de José Sarney. Uma rota populista e demagógica para a hiperinflação, a moratória da dívida externa e uma seqüência de violações a contratos juridicamente perfeitos.

O PMDB, condutor do vôo cego rumo ao caos, havia sido o alicerce moral do enfrentamento com o regime militar. Mas era então abandonado por políticos que fundavam o PSDB, sob acusação de se haver infectado pelo mesmo vírus da corrupção que devastara a direita.

Após dois mandatos presidenciais de FHC, fustigado por acusações de corrupção durante as privatizações e pela compra de votos para a emenda constitucional que permitiu a reeleição, apagava-se o PSDB sob o brilho de uma nova estrela. Era o PT da transparência, do orçamento participativo, da Bolsa-Escola e das denúncias contra o mau uso dos recursos públicos. O mesmo PT seria agora também portador do vírus que teria corrompido todos os partidos da República.

Existe uma linha lógica que costura os fatos dos últimos 40 anos de nossa História. O regime militar dos bancos oficiais, dos grandes programas federais e das empresas estatais, a Nova República da Constituição de 1988, a social-democracia tucana e o governo do PT são variantes de um mesmo regime econômico dirigista. Apesar das diversas cores de sua vestimenta, têm em comum a enorme intervenção estatal, o excesso de gastos públicos e as conseqüentes mazelas financeiras Ö excesso de endividamento externo na época do regime militar, a superinflação na Nova República e o endividamento interno excessivo na época tanto dos tucanos quanto do PT. E a corrupção é apenas a face oculta desse modelo. A mãe de todos os corruptos é o excesso de gastos do governo.

Mas nem tudo está perdido. A esperança de um liberal-democrata é que a competição entre os partidos políticos, sob a pressão da opinião pública e a luz da imprensa, nos conduza à solução clássica da Grande Sociedade Aberta. Depois do mar de lama, que se reconstrua um campo social-democrata limpo à esquerda e, em conseqüência da falta de corruptores, um campo liberal democrata funcional e orgânico, como alternativa de poder à direita. A corrupção que envergonhou os militares, devastou a direita e desmoralizou sucessivamente os três maiores partidos de esquerda Ö PMDB, PSDB e PT - tem cura. Mas não basta reforma política. É fundamental a reforma do modelo econômico.