Título: EDUCAÇÃO E LIBERDADE
Autor: Denis Lerrer Rosenfield
Fonte: O Globo, 13/06/2005, Opinião, p. 7

A "apresentação" da segunda versão do anteprojeto de lei de reforma do ensino superior, feita pelo ministro Tarso Genro, começa por uma citação de Hannah Arendt, em que esta pensadora, profundamente engajada com os fundamentos de uma sociedade livre, assinala a importância de educação. Causa surpresa um tal começo, pois talvez devesse ter sido mais apropriado começar com um elogio que o próprio ministro faz a Gramsci, em seu livro, "A esquerda em processo" (p. 40-4), ao realçar a importância da estratégia utilizada por esse político para a conquista do poder. A ênfase é dada à função das idéias e ao seu aparelhamento na educação e nos formadores de opinião enquanto meios de transformação socialista da sociedade.

Esse perigo está presente no anteprojeto quando prevê a criação de um "conselho social de desenvolvimento", que é um artifício empregado para assegurar a participação dos "movimentos sociais", leia-se MST, CPT e organizações afins, na universidade. Embora o projeto frise que se trata de uma instância consultiva, assim se institucionaliza todo um processo político de cunho revolucionário. Sua ação se caracteriza pelo desrespeito ao Estado de direito, pelo seqüestro de pessoas, pela invasão de propriedades e prédios públicos, tendo como propósito o estabelecimento de uma sociedade de tipo cubano no Brasil, no dizer de seus próprios membros. Em nome da liberdade e de uma inspiração arendtiana, o artigo 33 deveria ser suprimido.

Orientação semelhante se encontra no artigo 3º e em seu parágrafo único, em que o projeto cerceia a liberdade de ensino concedida à iniciativa privada a partir de uma pretensa "função social da educação" superior. Ora, sabemos que esse discurso da "função social" é o mesmo utilizado pelo MST e pela CPT para "justificarem" a invasão de propriedades. O anteprojeto, ao retomar essa formulação, abre as portas para que um processo do mesmo tipo ocorra nas universidades. Imaginem o MST e organizações afins nos "conselhos sociais de desenvolvimento", discutindo a "função social" da universidade? Em nome da liberdade, esse artigo e seu parágrafo único deveriam ser eliminados.

Na seção II, o anteprojeto tem uma genuína preocupação com a qualificação das universidades ao estipular que elas deveriam ter a metade do corpo docente "com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado, sendo pelo menos metade destes doutores". No caso dos Centros Universitários, "um terço do corpo docente com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado, sendo um terço destes doutores". Ora, o anteprojeto poderia ser aqui verdadeiramente arrojado, dando um choque de qualidade nas universidades e nos centros universitários, estabelecendo que 100% do corpo docente dessas instituições deveriam ter mestrado e doutorado, sendo 50% doutores. Evidentemente, um processo desse tipo exigiria um prazo de adaptação e poderia utilizar a Capes e o CNPq enquanto agências financiadoras, viabilizando, através de bolsas, a requalificação das universidades. Não esqueçamos que a pós-graduação brasileira começou com uma exigência desse tipo.

O anteprojeto tem um viés antiuniversidades privadas, que se traduz por uma extrema complacência em relação às universidades públicas, como se os critérios aplicados a uma não valessem para as outras. No Capítulo III, o anteprojeto propõe condições rígidas de credenciamentos, autorizações e reconhecimento de cursos e universidades. Assim, no § 1º do art. 35 está previsto, em caso de deficiências encontradas nas instituições privadas, o descredenciamento dessas ou, conforme o caso, a "desativação de cursos e habilitações" com "intervenção na instituição" ou "com suspensão temporária de prerrogativas da autonomia". O que acontece se a mesma deficiência for encontrada numa instituição pública? O órgão do Poder Executivo "acompanhará o processo de saneamento e fornecerá recursos adicionais, se necessários, para a superação das deficiências" (art. 35, § 2º). Propõe-se não só a benevolência, mas um aporte adicional de recursos como recompensa à incompetência. O enfoque ideológico é claro: o que é estatal, também dito público, é, por definição, bom, o que é privado, por definição também, é senão mau, suspeito de sê-lo.