Título: Ministros trocam ofensas em sessão do STF
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 21/10/2004, O país, p. 12

Em uma sessão repleta de discussões polêmicas e desentendimentos verbais destemperados entre os ministros, o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou ontem a liminar que autorizava a prática do aborto por mulheres grávidas de fetos com anencefalia (ausência de cérebro). A permissão fora concedida em 1 de julho pelo ministro Marco Aurélio de Mello, numa ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS).

Sete dos 11 magistrados consideraram que a Constituição não inclui casos de anencefalia entre os motivos que justificam o aborto. A decisão terá validade até que o STF julgue o mérito da ação.

Já no início da sessão, o ministro Joaquim Barbosa, em tom provocativo, argumentou que o assunto era muito controvertido para Marco Aurélio decidir sozinho, em caráter liminar. Furioso, o relator comprou a briga e disse que esse tipo de agressão deveria ser decidido do lado de fora do STF.

¿ Vamos deixar a agressividade de lado. Com agressividade, discuto em outro campo, fora do tribunal ¿ respondeu o ministro.

Espantado com a reação do magistrado, Barbosa argumentou que não tinha intenção de levar a discussão para o âmbito pessoal. Mas as desculpas não foram aceitas. No intervalo da sessão, Marco Aurélio voltou ao assunto:

¿ Apenas disse que, para discutir com agressões, o cenário não é o plenário, mas a rua. Não estamos nos séculos XVI, XVII, ou XVIII, em que havia o duelo. Se estivéssemos, certamente teríamos um duelo.

Sessão deveria discutir pedido de Fontelles

A sessão de ontem foi marcada para se discutir uma ação ajuizada pelo procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, pedindo o arquivamento do caso. Para Fontelles, como a hipótese de anencefalia não está prevista na lei, não há como o Judiciário decidir a questão. Mas um pedido de vista do ministro Carlos Ayres Britto desviou o objetivo do julgamento e o STF optou por revogar a liminar até a decisão final.

O movimento pela derrubada da liminar começou com o ministro Eros Grau. Ele argumentou que o STF estava criando uma terceira modalidade de aborto, não prevista na lei. Segundo a Constituição, é permitido o aborto em casos de gravidez causada por estupro ou de risco de vida para a mãe. O tema suscitou polêmica e até intervenções emotivas dos ministros. Como a de Ayres Britto, em apoio a ¿liminar corajosa" de Marco Aurélio:

¿ O que se tem no ventre materno é algo. É algo que nunca chegará a alguém. O útero materno é um casulo e o feto é uma crisálida. Uma crisálida que nunca chegará a ser borboleta. Existe esse direito de nascer para morrer? Não tenho essa resposta. Que o amor materno fale, e que a mãe diga se pretende continuar com aquela gravidez, sacrifício ou não, sem que isso signifique assassinato.

¿ Não acho que o feto anencéfalo esteja condenado à morte. Todos nascemos para morrer. A duração dessa vida é que não pode estar à mercê dos agentes jurídicos ¿ votou Cezar Peluso, para quem a vida intra-uterina é protegida pelas leis e, por isso, a liminar seria ilegal.

Mulheres que fizeram aborto não serão punidas

Ao fim do julgamento, que durou quatro horas, o presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim, explicou que as mulheres que interromperam uma gravidez de feto sem cérebro entre a data da liminar e ontem não estarão sujeitas a penalidade. Esse tipo de aborto será considerado ilegal apenas se praticado após ontem.