Título: AMEAÇA DE BOICOTE NO IRÃ
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 13/06/2005, O Mundo, p. 19

Votar ou boicotar a eleição? Essa é a pergunta que vem atormentando muitos iranianos à véspera da escolha de um novo presidente. Os nomes de oito candidatos aparecem nas cédulas que serão depositadas nas urnas na próxima sexta-feira, mas o país ainda está mergulhado na incerteza entre apoiar um deles ou usar a sua ausência nos recintos eleitorais como uma forma de protesto pelo desencanto com um sistema político que já não lhes agrada.

É clara a preocupação oficial com a perspectiva de um baixo comparecimento às urnas:

- Uma ampla presença de eleitores é ainda mais importante do que votar num candidato - incentivou o presidente Mohammad Khatami, de linha moderada, que está encerrando o seu segundo mandato consecutivo, ao longo do qual não conseguiu realizar as reformas liberalizantes prometidas.

Isso contribuiu decisivamente para que líderes estudantis venham advogando um boicote. O seu apelo pode encontrar eco, já que dois terços dos iranianos - 46 milhões dos 69 milhões de habitantes - têm menos de 30 anos, e neste país já se pode votar a partir dos 15 anos de idade.

O líder supremo da Revolução Islâmica, aiatolá Seyyed Ali Khamenei, tem insistido muito para que a população aposte em algum dos candidatos:

- Não se deve ter uma preocupação obsessiva em determinar quem é o melhor candidato e, sim, votar naquele cuja benevolência já foi comprovada - sugeriu o aiatolá Khamenei.

De acordo com Hermidas Davoud Bavand, professor de leis internacionais na Universidade Alameh, em Teerã, o congelamento do processo de reformas deixou a população iraniana indiferente nos últimos oito anos:

- A única opção é a resistência pacífica. Trata-se de um voto de desconfiança no sistema - disse.

Akbar Hashemi Rafsanjani, de 70 anos, que já foi presidente por duas vezes, pretende voltar ao posto novamente. Ele está liderando com folga as pesquisas informais de opinião. Não são feitas sondagens oficiais no país.

Definindo-se agora como um conservador pragmático, ele ultimamente tem dito aquilo que os iranianos gostariam de ouvir: que há necessidade de modernizar o país, tanto em termos materiais quanto de costumes.

Ele defende, ainda, a necessidade de um reatamento de relações amigáveis com os Estados Unidos.

Rafsanjani, que ajudou o aiatolá Khomeini a implantar a Revolução Islâmica no país, apresenta-se como um centrista pró-negócios. Suas palavras têm refletido uma crescente tendência no Irã:

- Há novas demandas. Ninguém deve pensar que podemos fazer algo usando os mesmos mecanismos, as mesmas políticas ou as mesmas atitudes que tínhamos no começo da Revolução Islâmica. Ficar no mesmo lugar ou andar para trás são idéias reacionárias ou dogmáticas. Elas são um veneno - advertiu recentemente Rafsanjani.

Além dele, há três candidatos reformistas, cujo discurso tem sido encarado como mais uma tentativa de manter o estado de coisas. Estão concorrendo ainda quatro conservadores linha-dura: todos com um passado militar ou policial, e que decidiram se lançar por conta própria depois de ter ficado claro que essa corrente não era capaz de forjar uma sólida união centrada em apenas um deles.