Título: CONGRESSO DA BOLÍVIA COMEÇA A DISCUTIR ELEIÇÕES
Autor: Flávio Henrique Lino
Fonte: O Globo, 13/06/2005, O Mundo, p. 20

LA PAZ. Está nas mãos do Congresso da Bolívia a chave do que pode ser o início do abrandamento da grave crise político-institucional em que o país tem estado mergulhado nas últimas semanas. Em reunião ontem com os representantes dos movimentos sociais de El Alto - cidade vizinha a La Paz cujos moradores vêm bloqueando o abastecimento de gás e gasolina da capital - o presidente Eduardo Rodríguez comprometeu-se a convocar eleições gerais.

Única proposta concreta saída do encontro, a idéia de renovação dos ocupantes da Presidência, do Senado e da Câmara dos Deputados, uma reivindicação dos movimentos sociais, pode dar ao novo governo tempo para respirar e tentar levar adiante uma transição menos conflituosa do que a que se anunciava. Cumprindo um mandato tampão de alguns meses em substituição ao presidente Carlos Mesa, que renunciou sob forte pressão de vários setores do país, Rodríguez só teria de convocar eleições para presidente e vice.

Ato garante reabastecimento de gás e gasolina a La Paz

Havia quatro temas principais na chamada Agenda de Outubro, a pauta de reivindicações dos quatro grupos com cujos líderes Rodríguez se encontrou: nacionalização do gás e do petróleo, industrialização do país, convocação da Assembléia Constituinte, e levar à Justiça os responsáveis pelo massacre de mais de 50 pessoas nos protestos de outubro de 2003, que causaram a queda de Gonzalo Sánchez de Lozada. Rodríguez, no entanto, ciente de seu mandato limitado, saiu pela tangente.

- Deixei claro que o presidente tem um propósito a cumprir: a preservação do sistema democrático. Pedi aos bolivianos que estiveram aqui hoje que me ajudassem a preservar este sistema - disse Rodríguez, que num gesto de boa vontade subiu a El Alto para conversar com os representantes dos moradores, dos sindicatos, dos camponeses e dos trabalhadores de rua. - Propus que um sistema democrático devidamente renovado dê resposta a essa agenda. Não posso fazer política, não posso oferecer mais do que me cabe cumprir.

O tema das eleições gerais deverá começar a ser discutido amanhã no Congresso. Mas embora os bloqueios em El Alto tenham sido momentaneamente suspensos para deixar a população se reabastecer de gás e gasolina, já foi marcada uma marcha amanhã em La Paz para manter a pressão sobre o Congresso.

- Não podemos permitir que parlamentares que hoje já não mais representam a população continuem em função. Eles terão de aceitar eleições gerais - advertiu Abel Mamani, dirigente da poderosa Federação de Associações de Moradores de El Alto.

De acordo com ele, o encontro com Rodríguez não deixou os movimentos sociais contentes, já que nenhuma das quatro reivindicações principais da Agenda de Outubro foi atendida. Porém, Mamani já consegue enxergar ao menos um espaço de abertura para o diálogo.

- Isso é importante. A solução das demandas parte da vontade política que o governo tem de ter, e isso o presidente manifestou - disse Mamani.

Por sua vez, o governo pediu que os movimentos sociais estabeleçam comissões para discutir o agendamento de suas demandas no Congresso. Uma delas é o fim do financiamento público dos partidos nas eleições, para que eles não tenham vantagens sobre os movimentos e haja "uma verdadeira eqüidade" no pleito.