Título: Agora, ao processo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 14/06/2005, O Globo, p. 2

A crise política tomará hoje sua verdadeira dimensão, podendo ganhar impulso ou arrefecer em função do depoimento do deputado Roberto Jefferson, e determinar o curso de eventuais mudanças no governo. A segunda entrevista de Jefferson atropelou a disposição conjunta ¿ do ministro Dirceu e do presidente Lula ¿ que levaria ao retorno do ministro à Câmara com uma retórica ofensiva: voltava para fortalecer o governo e o PT na luta renhida que se trava lá.

Na medida que Jefferson o atacou diretamente, apontando-o como participante do esquema de mensalão, avaliou-se que a saída agora teria ares de capitulação. Mas na noite de sexta-feira tal disposição foi compartilhada com pelo menos dois importantes petistas tanto pelo presidente como pelo ministro. Ela mudou no início da noite de sábado, quando o teor da nova entrevista começou a circular. No evento que patrocinou naquela noite em São Paulo, Dirceu negou peremptoriamente os planos de deixar o Planalto, como voltou a fazer ontem. Mas ao longo do dia de domingo, como registrou a edição de ontem do GLOBO, o assunto esteve em pauta, foi avaliado por Lula em diversas conversas e acabou abortado. Embora o ministro Aldo tenha se batido enfaticamente contra a idéia, e ido em busca das garantias de apoio do PMDB ao governo na batalha da CPI, ministros do próprio PT continuavam achando que era importante o presidente Lula tomar alguma atitude mais forte. A reunião de coordenação, na manhã de ontem, encerrou o assunto provisoriamente. O congelamento da hipótese, entretanto, não significa que esteja descartada ou que não possa ser implementada dentro de uma mexida maior no governo, quando a hora e as circunstâncias forem melhores. Agora a disposição é de luta e resistência.

¿ Se o povo quiser eleger um presidente do PSDB ou do PFL, será feita a vontade popular. Mas daqui o governo só sairá por ordem das urnas ¿ dizia ontem Aldo, voltando à teoria do golpismo branco.

Hoje começa o segundo momento da crise, decisivo para seus desdobramentos. As últimas atitudes de Jefferson não recomendam a crença na afirmação de que não tem provas, nem o seu contrário. Seu depoimento será diferente de uma entrevista. Inquirido, terá que esclarecer melhor alguns fatos que mencionou. Por exemplo, os R$4 milhões que diz ter recebido do PT como ajuda de campanha. Terá que pelo menos apontar alguns deputados que receberiam o tal mensalão. O que disser será investigado, comprovado ou não.

A normalidade do mercado ontem sugere que Jefferson já não mete tanto medo, seja porque começou a se repetir ou por ter antecipado que não tem provas. Indicou ainda que uma eventual saída de Dirceu do governo já não assusta como em 2004, na época do caso Waldomiro. Foi um bom teste da hipótese.