Título: A VEZ DA CPI
Autor:
Fonte: O Globo, 14/06/2005, Opinião, p. 6

Só uma CPI instalada para investigar livre e profundamente todas as denúncias formuladas nas últimas semanas é, não há dúvida, o único caminho capaz de separar o que, nas entrevistas oferecidas pelo deputado Roberto Jefferson, é fato do que é manipulação. Há bem mais do que indícios, fortíssimas evidências da montagem de um grande esquema de assalto aos cofres públicos. Mas não é crível que dele participassem apenas o PL e o PP, tendo o PTB ¿ conhecida legenda de aluguel desde que o ex-governador Leonel Brizola foi impedido de reassumir o seu comando, ainda no regime militar ¿ adotado os princípios éticos que Roberto Jefferson procura deixar transparecer em suas entrevistas. É de se esperar que esse questionamento lhe seja feito por perguntadores mais interessados.

Só a CPI pode permitir, por meio de seus instrumentos próprios de inquérito ¿ a quebra de sigilos fiscais, telefônicos e bancários, por exemplo ¿ que o país passe a uma nova etapa de conhecimento dos fatos, que não fique restrita apenas à palavra de um dos envolvidos no esquema ¿ embora queira fazer crer que estava tentando denunciá-lo.

O presidente nacional do PTB não esconde ser movido, nas denúncias que faz, pelo desejo de vingar-se do que considera um ataque de autoridades do governo contra ele. Sintomaticamente, Jefferson resolveu falar depois do vazamento de um vídeo em que um alto funcionário dos Correios, Maurício Marinho, cobra propina e embolsa um maço de dinheiro vivo, enquanto se apresenta como representante do dirigente petebista. Também não pode cair no esquecimento que o deputado fluminense, na primeira entrevista, confessou candidamente que pedira ao presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), da sua cota de protegidos no governo, que coletasse dinheiro para o partido. Até uma mensalidade foi estipulada por Jefferson: R$400 mil, segundo gravação divulgada pela revista ¿Veja¿.

A afirmação do presidente do PTB de que não tem provas do que diz é preocupante. Pode ser uma tática ardilosa do advogado criminalista, ou não. Mas não se deve desmerecer o testemunho de quem há vários governos adestrou-se no trânsito em gabinetes do poder, participando de todo tipo de negociação. Jefferson carrega na biografia ter sido testemunha e participante dos bastidores do governo Collor, em cuja tropa de choque atuou no Congresso. Ali deve ter-se especializado em conseguir acesso privilegiado ao dinheiro do contribuinte.

Quebras de sigilo, diligências, novos depoimentos e acareações podem desvendar a amplitude desse esquema e suas ramificações na Esplanada dos Ministérios e no Palácio do Planalto. A extensão do poder de Jefferson e de seu partido dentro da máquina pública ¿ fato revelado pelo GLOBO e que motivou toda a ira do deputado contra o jornal ¿ precisa ser conhecida. Não pode deixar de ser considerado, por óbvio, o verdadeiro latifúndio concedido ao PTB no segundo escalão do governo, em troca do apoio do partido. Apadrinhados de Roberto Jefferson passaram a ter acesso a orçamentos bilionários.

Não adianta agora o deputado destilar, em entrevistas cujo momento ele próprio escolhe para dar, pequenas intrigas contra este jornal. O GLOBO há muito tempo optou por não privilegiar o ¿jornalismo-fiteiro¿ ¿ tomando emprestada a feliz expressão criada pelo jornalista Alberto Dines ¿ preferindo a este o valor do trabalho de reportagem. Mais cansativo, sem dúvida; mas bem mais efetivo.

A edição do GLOBO no último domingo é prova disso: com reportagens e não com fitas o jornal apresentou um quadro tenebroso das relações entre o governo, seus aliados políticos, seu partido e agências de publicidade. A resposta à tentativa de intriga do deputado, acolhida sem reservas pela ¿Folha de S. Paulo¿, já estava dada, antes da circulação da entrevista, pela força da própria edição dominical do GLOBO. É este caminho de isenção em relação a governos e partidos políticos, mas com o necessário espírito crítico, que deve pautar o jornalismo de qualidade. É esta a linha que O GLOBO adota no seu noticiário e que o levou à condição de jornal de maior circulação do país aos domingos. Crises exigem maturidade.

A palavra de Roberto Jefferson é apenas um começo de investigação. Por ser o PTB elemento da quadrilha partidária que tomou conta do Congresso Nacional, as suas relações com o governo são excelente ponto de partida. Mas aguarda-se agora uma palavra maior, a da CPI, que tem de estar inteiramente livre de pressões outras que não sejam as da opinião pública, interessada em uma apuração rigorosa de todos os fatos.