Título: Dez vezes inocente
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Fonte: O Globo, 14/06/2005, O Mundo, p. 24

Doze jurados livram Michael Jackson de acusação de pedofilia, ao fim de um julgamento de quase quatro meses

Ao fim do julgamento mais discutido pelos americanos nos últimos meses, 12 jurados inocentaram ontem o cantor Michael Jackson de dez acusações relacionadas a abuso sexual de um adolescente de 13 anos. Em frente ao tribunal na cidade californiana de Santa Maria, cerca de 150 fãs reagiram com euforia aos veredictos. Seus gritos soaram ainda mais alto quando o astro deixou a corte às pressas, cercado de seguranças. Sério, ele agradeceu ao público a solidariedade erguendo a mão, pondo-a sobre o peito e depois sobre a boca, para enviar um beijo.

Testemunhas disseram que enquanto cada uma das dez acusações era lida, acompanhada do veredicto de "inocente", Jackson não demonstrou emoção e parecia tenso no Tribunal Superior do Condado de Santa Bárbara. Ao fim da leitura, ele enxugou os olhos com um lenço e abraçou seus advogados. Sua mãe, Katherine, chorava. O juiz Rodney Melville, que presidiu o julgamento, afirmou:

- Senhor Jackson, sua fiança está suspensa e o senhor está livre.

Com a afirmação, o juiz esclareceu que o cantor receberá de volta a fiança de US$3 milhões que pagara para responder ao processo em liberdade.

Em frente ao tribunal, fãs se abraçaram, dançaram e se emocionaram às lágrimas. A cada vez que um veredicto de inocente era anunciado, uma mulher libertava uma pomba branca.

- Vitória! Vitória! - gritou Omar Reece, de 25 anos, que veio de Illinois para torcer pelo ídolo. - As pessoas têm tentado há 20 anos impedi-lo (Jackson), destruir sua carreira, seu nome. E cada vez ele volta melhor, mais forte, imbatível.

Além da mãe, estavam junto de Jackson no tribunal o pai, Joe, os irmãos Randy e Jermaine e as irmãs LaToya, Janet e Rebbie. O cantor e seus parentes deixaram a corte numa caravana de carros pretos. A multidão de jornalistas que o aguardava só teve acesso a uma gravação em áudio da leitura do veredicto, mas na saída, Thomas Mesereau Jr., advogado de defesa, disse aos repórteres:

- A justiça foi feita. Este homem é inocente. Sempre foi.

Mesereau é conhecido pelo brilhantismo com que defende réus famosos. Em 2001, evitou que o boxeador Mike Tyson fosse a julgamento por estupro. No ano passado, livrou da condenação o ator Robert Blake (da série de TV "Baretta"), que era acusado de matar a mulher.

Os jurados deliberaram durante 32 horas, em sete dias, antes de decidir livrar Jackson de uma condenação que poderia resultar em quase 20 anos de prisão, se todas as acusações fossem aceitas. Durante o julgamento, ouviram mais de 130 testemunhas.

O caso Michael Jackson tem origem num documentário exibido em 2003 na TV britânica em que ele segurava a mão de um menino que sofria de câncer e dizia que nada via de mal em dormir com crianças em seu sítio Terra do Nunca, que abriga uma mansão, um zoológico e brinquedos de parque de diversões. Em novembro daquele ano, a polícia da Califórnia surpreendeu Jackson fazendo uma busca inesperada em seu sítio, com base numa queixa apresentada pela família do menino.

Promotores alegavam que depois da exibição do documentário o cantor tentara intimidar e subornar o menino e sua família, de modo a evitar entrevistas que pudessem prejudicá-lo, chegando a mantê-los em seu sítio contra a vontade deles. Na ocasião, Jackson teria embriagado o menino antes de tentar abusar sexualmente dele duas vezes. Os promotores tiveram permissão para levar à corte como testemunhas outros jovens que diziam ter sido molestados pelo cantor quando eram crianças.

Jackson, de 46 anos, sempre alegou inocência. Seus advogados disseram que a família do menino era conhecida por tentar extorquir pessoas ricas e famosas. Durante a investigação, o menino admitiu ter dito a um administrador de sua escola que nada acontecera entre ele e o cantor. Conhecido por perseguir Jackson há dez anos com acusações de pedofilia, o promotor Tom Sneddon disse ontem que estava "obviamente desapontado" com a a decisão do júri, mas a aceitaria.

> Momentos cruciais do julgamento

O julgamento de Michael Jackson foi acompanhado de perto pela mídia e por fãs que se concentravam diante do tribunal em Santa Maria, Califórnia. A seguir, seus momentos principais:

O ACUSADOR: O adolescente acusou o ator de masturbá-lo por duas vezes em 2003 e de servir bebidas alcoólicas a ele e ao irmão no rancho Terra do Nunca quando tinha 13 anos e se recuperava de um câncer. Ao ser interrogado pela defesa, no entanto, admitiu ter dito a um funcionário de sua escola que nada acontecera entre ele e Jackson. O jovem disse ainda ter mentido num documentário no qual elogiava o artista e que o cantor teria prometido colocá-lo num filme.

A FAMÍLIA: O irmão mais novo do acusador, de 14 anos, entrou em contradição ao dizer que foram duas, e depois três, as vezes em que viu o cantor molestando seu irmão. A irmã, por sua vez, disse que era deixada a maior parte do tempo sozinha no rancho. A mãe dos rapazes, que também testemunhou, foi acusada pelo advogado de Jackson de tentar ganhar dinheiro com processos judiciais.

TESTEMUNHAS: Mais de 130 pessoas testemunharam, entre elas um jovem de 24 anos que contou, em lágrimas, ter sido molestado várias vezes pelo cantor quando tinha entre 7 e 10 anos. A mãe de um jovem supostamente assediado por Jackson em 1993 disse que o cantor freqüentou sua casa por meses e chegou a implorar a ela que deixasse o menino dormir em sua cama. Jackson teria pago US$23 milhões para que o processo fosse arquivado.

MACAULAY CULKIN: Num depoimento crucial para a defesa, o ator de "Esqueceram de mim" negou firmemente ter sido molestado por Jackson. Culkin contou ter dormido no quarto do cantor e que nunca aconteceu algo impróprio. Um ex-cozinheiro do rancho chamado a testemunhar dissera ter visto Jackson apalpando o órgão sexual de Culkin por cima da roupa.

HOSPITAL: Pelo menos por três vezes o cantor foi levado ao setor de emergência de um hospital, com queixas como gripe e dores nas costas, atrasando o início das sessões. Numa delas, chegou ao tribunal de pijamas e chinelos.

JAY LENO: O apresentador disse ter recebido várias ligações da família do menino, mas que eles nunca lhe pediram dinheiro. A defesa alegara que a família usava a doença do jovem para pedir dinheiro a pessoas famosas. O testemunho, no entanto, desmentiu o que o menino dissera antes: ele afirmara não ter conversado com Leno por telefone.

JÚRI: No dia 6 de junho, a defesa e a acusação encerraram seus trabalhos e o júri, formado por oito mulheres e quatro homens, começou a deliberar.

Um júri sob os olhos do mundo

SANTA MARIA, Califórnia. As dúvidas deixadas pela acusação no caso Michael Jackson acabaram levando o júri a declarar o cantor inocente. Segundo os jurados, que disseram ter se sentido "sob o peso dos olhos do mundo", a promotoria devia provar a culpa do cantor sem deixar margem a dúvidas.

- Estudamos com cuidado todas as provas e, como se tratava de um caso penal, era preciso ter ido mais além do que qualquer dúvida razoável - contou um dos jurados.

Seus nomes não foram revelados e eles foram identificados por números ao aparecerem diante da imprensa ao fim do julgamento. Foi um veredicto unânime por parte das oito mulheres e dos quatro homens, com idades entre 20 e 79 anos, que formaram o júri, sendo oito americanos, três de origem latino-americana, um de origem asiática e nenhum negro - o que corresponderia à composição social do condado de Santa Bárbara, onde os negros representam menos de 12% da população.

Segundo uma das integrantes, o grupo esteve de acordo desde o início do julgamento. O júri começou a analisar o caso no dia 3 de junho e chegou a uma decisão após 32 horas de discussões. Uma das juradas pôs em dúvida a credibilidade da mãe do acusador.

- Que mãe em sã consciência permitiria livremente que algo assim acontecesse? - perguntou, referindo-se ao costume do cantor de compartilhar a cama com crianças.

Numa nota apresentada antes da entrevista, ao fim de um dos julgamentos mais famosos da atualidade, eles fizeram um apelo: "Gostaríamos que o público nos permitisse voltar a nossas vidas tão anonimamente como quando viemos."

Legenda da foto: OS JURADOS após o julgamento: formação obedeceu à composição do condado de Santa Bárbara