Título: O show, as falhas e a eficácia
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 15/06/2005, O Globo, p. 2

A performance como prova. Esta foi a tática adotada por Roberto Jefferson ao depor no Conselho de Ética. Mostrou-se excelente ator e bom dramaturgo, conferindo verossimilhança a suas denúncias com fartura de detalhes e precisão nos gestos. Mas a narrativa teve falhas, sobretudo na tentativa de reinvenção da pessoa do autor. E houve erros técnicos na condução do depoimento, a começar pela exigência do compromisso de dizer a verdade, o que só deve ser exigido de testemunhas. Ele estava lá como acusado.

Mas o show de Jefferson foi eficaz no sentido de traçar a linha das investigações. Voltado para o público externo, muito mais do que para os membros do Conselho, buscou reforçar na sociedade a convicção de que o PT alugou deputados do PP e do PL para sustentar o governo. Fortaleceu-se assim a estratégia da oposição, de levar para este rumo as investigações da CPI dos Correios, que acabará deixando em segundo plano os casos de corrupção nos Correios e no IRB, em áreas ocupadas pelo PTB.

E para isso Jefferson valeu-se com êxito de seus dotes de ator e narrador, contando detalhes das conversas de que participou. Construiu boas metáforas, como a dos biquinhos abertos esperando a volta do néctar, e boas cenas, como aquela em que imita os deputados a pedir mensalão em coro para retomarem as votações.

O empenho em proteger o presidente Lula, apesar dos ataques pesados a Dirceu, Delúbio, Genoino e outros membros da cúpula petista, foi parte da técnica narrativa. Lula ainda é popular e querido, e Jefferson buscou ficar de seu lado, contra os que o teriam traído e enganado. Sabe muito bem que atirou no coração de Lula. O relator, que é da oposição, só fez perguntas envolvendo o presidente, que a oposição também elegeu como alvo.

Ainda em relação a Lula, só o deputado Sandro Mabel, líder do PL, pegou Jefferson numa inverdade, a de que só agora, em março, vencera o "cordão de isolamento" e conseguira chegar ao presidente para contar-lhe do mensalão. Se soube do esquema em agosto de 2003, como disse, teve muitas oportunidades. E uma delas, imperdível, em 14 de outubro de 2004, quando recebeu o presidente para jantar em sua casa.

Se foi bem ao fortalecer a linha de investigação da oposição, Jefferson falhou muito na reinvenção de si mesmo. Confessou com espantosa naturalidade não só o recebimento de R$4 milhões, primeira parcela dos R$20 milhões que o PT lhe teria prometido e não entregou na campanha. Crime eleitoral para os dois. Pior ainda, afirmou que a oferta de mensalão que ouviu de Delúbio foi levada a voto na bancada! Proposta indecente não é levada à bancada de partido sério, muito menos votada. E tendo havido votação, um silêncio de ferro caiu sobre a bancada de mais de 50 deputados. Preferiram certamente os cargos nas estatais e a ajuda de campanha. Se o deputado pretendia, como disse, lavar a honra de seu partido, foi muito mal. Honrado foi o líder José Múcio, que o desmentiu ao negar que tenham alguma vez tratado de mensalão com o deputado Valdemar Costa Neto, embora confirmando ter estado presente quando foi dado o aviso a Lula, Mas negando a lágrima, este elemento importante na dramaturgia.

Jefferson falharia ainda na auto-reconstrução ao admitir que não falou em mensalão em seu recente discurso de defesa porque ainda esperava um acordo, uma solução pelo diálogo. Ou seja, pelo jeitinho, a troca de proteções.

Quanto às falhas técnicas, exigindo indevidamente o juramento de só dizer a verdade, o presidente do Conselho, Ricardo Izar (PTB), reforçou a credibilidade do que Jefferson disse como acusado, não como testemunha. O Brasil viu tal juramento pela TV. Nem poderia ter havido o depoimento e a inquirição antes da defesa escrita, o que, garante o deputado-jurista Antonio Carlos Biscaia, contraria regra elementar do direito processual. Mas o show, como sabemos, era político. Deu início ao evisceramento do sistema político.

Cravo e ferradura

A saída do ministro José Dirceu do governo continua em pauta e ele já entregou a decisão ao julgamento exclusivo do presidente Lula, inclusive quanto à hora. Claro que não será sob a reverberação dos ataques de Roberto Jefferson, que ontem o mandou sair logo para não vitimar Lula.

Mas a pelo menos uma das pessoas com quem conversou sobre o assunto, Lula deu a entender que a saída de Dirceu para fortalecer o esquema político no Congresso seria acompanhada de uma concessão pela qual ele brigou tanto no governo: a inflexão na política econômica, sobretudo na questão dos juros, cujo ciclo de alta parece ter mesmo chegado ao fim, e ao rigor fiscal.

Algumas atribuições de Dirceu na coordenação administrativa vêm sendo discretamente transferidas ao ministro Paulo Bernardo, cuja pasta se chama exatamente Ministério do Planejamento, Coordenação e Gestão. Isso facilitaria a escolha de um substituto para Dirceu, que poderia ser mais burocrata e menos executivo.

O PT tem tudo a perder nesta guerra, mas o PSDB também pode pisar em minas. A secretária do publicitário Marcos Valério, em entrevista à "IstoÉ Dinheiro", teria lançado o primeiro estilhaço. Se os dois partidos mais orgânicos se estraçalharem, quem ganhará com isso? Tudo aquilo que FH chama de atraso.