Título: Jefferson confessa crimes, acusa Dirceu e poupa Lula
Autor: Maria Lima, Valderez Caetano e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 15/06/2005, O País, p. 3

Deputado admite ter deixado de declarar R$4 milhões do PT à Justiça Eleitoral e cita seis nomes do mensalão

Num tom dramático, cuja contundência deve provocar estragos tanto na imagem do governo como na do Congresso Nacional e dos partidos, o presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), acusou seis líderes do PP e do PL de receber o mensalão e envolveu, sem apresentar provas, altos integrantes do Executivo e do PT no suposto esquema de compra de deputados em troca de votos, isentando de qualquer responsabilidade, porém, o presidente Lula. Em mais de oito horas de depoimento no Conselho de Ética da Câmara, o deputado ainda confessou abertamente dois crimes - o recebimento de R$4 milhões na campanha eleitoral, que teriam sido repassados pelo PT, sem declaração à Justiça Eleitoral, e também o uso de cargos públicos em estatais para angariar recursos para o partido, num esquema conhecido por "fabriquinhas" de dinheiro.

No alvo de Jefferson estiveram, durante todo o depoimento, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, o presidente do PT, José Genoino, e o tesoureiro do partido, Delúbio Soares. Ao isentar o presidente Lula de responsabilidade, admitiu que suas denúncias atingiram o governo como um todo e serviram para "ferir um inocente". Ele acusou o governo pela corrupção nos Correios, citando os nomes de Sílvio Pereira, secretário-geral do PT, responsável pela partilha de cargos do governo federal, e de Dirceu. Acusou também a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) de estar por trás do grampo que flagrou o ex-diretor de Contratação dos Correios Maurício Marinho recebendo uma propina de R$3 mil.

Foi um festival de bate-boca, de ironias e até de arroubos moralistas tanto por parte do deputado quanto de integrantes do Conselho de Ética acusados por ele. Na primeira parte do depoimento, Jefferson dominou a cena no papel de acusador, dirigindo-se a seus acusadores. Ao concluir, citou Valdemar Costa Neto (presidente do PL), Sandro Mabel (líder do PL), Bispo Rodrigues (também do PL), Pedro Corrêa (presidente do PP), José Janene (líder do PP) e Pedro Henry (ex-líder do PP) como os representantes dos dois partidos que recebiam e repassavam o mensalão. Mas seu semblante foi ficando mais carregado e ele caiu em contradições na parte reservada às perguntas dos deputados. Depois de ter citado os colegas, quando perguntado pelo petista José Eduardo Cardozo, por exemplo, admitiu que sabia quem recebia e não recebia mesada no PP e no PL apenas "por dedução".

Esquema de caixa dois com o PT na campanha

Jefferson revelou detalhes do crime eleitoral ao contar como negociou com a cúpula do PT o repasse de R$20 milhões de caixa dois para custear campanhas do PTB nas eleições municipais de 2004. Ele descreveu com riqueza de detalhes o pagamento de R$4 milhões, a primeira parcela e que acabou sendo a única, segundo ele. Contou que o publicitário mineiro Marcos Valério, emissário do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, lhe entregou primeiro R$2,2 milhões e, cerca de uma semana depois, R$1,8 milhão. Eram pacotes com notas de R$50 e R$100 carimbadas pelos Banco Rural e pelo Banco do Brasil, carregados em duas grandes malas, relatou. O Banco Rural foi um dos mais usados pelo chamado esquema PC Farias, que resultou no impeachment do ex-presidente Fernando Collor.

Relatou que depois, quando o restante do dinheiro não foi repassado, teria procurado José Dirceu para pedir ajuda na liberação das outras parcelas. Mas, segundo ele, o ministro disse que o PT estava com dificuldade de caixa porque a Polícia Federal, numa de suas grandes operações contra a corrupção, havia prendido doleiros.

- Fui ao Zé Dirceu pedir para ele ajudar a liberar o resto do dinheiro. Ele me disse: "Não dá, a Polícia Federal é tucana, meteram na cadeia 60 doleiros que internalizavam (traziam para cá) o dinheiro".

Essas afirmações foram vistas pela oposição como um ponto de partida para a CPI dos Correios, que poderá rastrear esse dinheiro e quebrar sigilo para comprovar as denúncias.

Além de não levar provas sobre as denúncias, Jefferson foi desmentido duas vezes pelo líder do PTB, José Múcio (PE). Foi quando Valdemar Costa Neto - autor do pedido de processo por quebra de decoro no Conselho de Ética e que teve um duro enfrentamento com o deputado durante o depoimento - acusou Jefferson de mentir ao afirmar que ele, Bispo Rodrigues e Pedro Henry haviam pressionado José Múcio para que aceitasse receber o mensalão para sua bancada.

Chamado a dar sua versão, José Múcio disse que os líderes do PL, do PTB e do PP se reuniram várias vezes no ano passado, mas para tratar da reforma política.

- Sobre o mensalão, não recebi nenhuma proposta. Tive várias reuniões com os partidos, mas nunca ouvi falar na proposta - disse José Múcio, que admitiu, porém, ser verdadeiro o relato de Jefferson sobre o encontro com o presidente Lula, no Planalto, em que o petebista teria alertado sobre o mensalão. O líder confirmou também que, a pedido de Delúbio, intermediou um encontro entre o tesoureiro do PT e Jefferson.

O Conselho de Ética vai fazer uma acareação entre Delúbio e Jefferson. Também votará na reunião marcada para amanhã o requerimento que pede que sejam convidados a prestar esclarecimentos o ministro José Dirceu, a deputada licenciada Raquel Teixeira (PSDB-GO), o deputado Miro Teixeira (PPS-RJ), o governador Marconi Perilo, o secretário-geral e o tesoureiro do PT, Silvio Pereira e Delúbio Soares.

PT também não registrou a doação ao partido

O PTB não registrou na prestação de contas eleitorais a suposta doação petista que Jefferson revelou. Ele incriminou ainda o PT, uma vez que o partido também não registrou doações neste montante à Justiça Eleitoral. Levantamento feito pelo GLOBO nas doações de campanha feitas pelo Diretório Nacional do PT em 2004, segundo dados oficiais entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que o PT contribuiu com R$184 mil para dois candidatos do PTB a prefeito no ano passado.

Ao todo, as doações oficiais do PT para candidatos a prefeito e vereadores petistas e a partidos da base aliada somaram R$3.839.450. Os dois únicos candidatos petebistas beneficiados foram Carlos Alberto Bejani, de Juiz de Fora (MG), e Sandro Matos Pereira, de São João de Meriti (RJ). Cada um recebeu R$92 mil. Os candidatos petistas de Goiás, estado do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, foram os que mais receberam doação oficial do partido: Pedro Wilson, que disputou em Goiânia, recebeu R$1.170.000, e o candidato em Anápolis, Rubens Otoni, recebeu R$413 mil.

Especialistas em legislação eleitoral, ministros e ex-ministros do TSE ouvidos pelo GLOBO avaliam que a declaração de Jefferson, por si só, já configura um crime eleitoral por ferir o artigo 350 do Código Eleitoral. Além de multa, a legislação determina pena de reclusão de até cinco anos.

"Em vez de mensalão,ele recebeu um bolão"

Em seu depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, Roberto Jefferson alegou que cobrou do presidente do PT, José Genoino, as notas para fazer a prestação de contas de seu partido na Justiça Eleitoral. Ele disse que as notas não foram enviadas pelo PT.

Mais tarde, quando perguntado sobre essa doação, Jefferson tentou fazer uma ressalva: disse que falou sobre esse assunto como pessoa física e não como presidente do PTB.

- Até o momento, o único crime realmente cometido e confessado foi o caixa dois de R$4 milhões que o PTB recebeu para a campanha eleitoral do ano passado. Em vez de mensalão, o Jefferson recebeu um "bolão". Por que Jefferson não denunciou na época o PT? Ele admitiu um crime eleitoral - disse o deputado João Pizzolato (PP-SC).

A assessoria de imprensa do PT informou que só houve contribuição financeira oficial para os candidatos do PT e da base aliada nas eleições do ano passado. A assessoria ressaltou ainda que o presidente José Genoino disse que, na eleição municipal, o compromisso do PT com os partidos aliados era para ajuda de material de campanha e shows.

COLABORARAM: Gerson Camarotti e Evandro Éboli

Ele (Delúbio) disse que gostaria de ajudar a desencravar uma unha e faria uns repasses ao PTB

ROBERTO JEFFERSON , Presidente do PTB

Legenda da foto: O DEPUTADO ROBERTO JEFFERSON no depoimento no Conselho de Ética da Câmara: falta de provas