Título: Jefferson levou 17 meses para fazer a denúncia
Autor: Maria Lima, Valderez Caetano e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 15/06/2005, O País, p. 5

Petebista, que teve 14 encontros com o presidente até janeiro de 2005, disse que sabia do mensalão desde agosto de 2003

BRASÍLIA. O presidente do PTB, Roberto Jefferson, admitiu que deixou que se passassem 17 meses entre a primeira vez que ouviu falar do mensalão, em agosto de 2003, e o dia em que levou ao presidente Lula, em janeiro deste ano, a denúncia do pagamento de mesada a deputados de partidos aliados. Segundo Jefferson, Lula estava blindado por seus assessores e não era possível ter acesso direto ao presidente. O Palácio do Planalto informou, porém, que há registros de 14 encontros do presidente Lula com Jefferson, inclusive num jantar na casa do deputado.

Perguntado ontem pela deputada Angela Guadagnin (PT-SP) se não teve nem um "segundinho" para denunciar o mensalão no jantar, Jefferson respondeu:

- Na ocasião, não tratei de política com o presidente. Ele estava feliz, tranqüilo, relaxado. Dona Marisa estava presente. Por que eu iria envenenar um jantar na minha casa com um assunto deste? É uma questão de gentileza - alegou o presidente do PTB.

Jefferson disse que o primeiro a lhe falar sobre o mensalão foi seu antecessor na presidência do PTB, José Carlos Martinez, falecido em outubro de 2003. Segundo Jefferson, Martinez lhe perguntou o que achava do pagamento de mesada:

- Devemos ser contra. Isso escraviza - disse.

O deputado foi pródigo nas acusações dos envolvidos no chamado mensalão de R$30 mil que jura não ter aceito por princípios, mas usou grande parte de sua exposição para falar com naturalidade do acordo de R$20 milhões, de caixa dois, que ele diz ter feito com o PT para financiar campanhas do PTB em 2004.

Jefferson também tratou com naturalidade da negociação de cargos em postos-chave nas estatais e admitiu ter tentado até o fim um acordo com o governo para pôr fim ao escândalo e evitar a CPI dos Correios. E logo após o depoimento, ouviu o desmentido do líder do PTB, José Múcio Monteiro, que negou ter sido coagido pelos líderes do PP, Pedro Henry (MT), e do PL, Valdemar Costa Neto (SP), para aceitar o mensalão. Múcio também negou que o presidente Lula tivesse chorado quando foi avisado do mensalão.

Valdemar pôs José Múcio contra Jefferson:

- Quem mente? O Múcio está aqui num jornal de Pernambuco dizendo que nunca recebeu proposta de Mensalão, que Roberto Jefferson havia se confundido.

- Faça a pergunta a ele. Eu falo por mim - reagiu Jefferson.

José Múcio reagiu:

- Perplexo fiquei, como o Brasil ficou, quando ouvi essas denúncias. Delúbio me procurou, mas não tocamos em dinheiro. Não discuti mensalão com Valdemar. Participei do encontro com Lula, ele ficou perplexo, mas não chorou.

Em janeiro de 2004, o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, procurara José Múcio para que o levasse até Jefferson.

- Chegou lá um homem simples, fumando um charuto, com aquele jeitão de goiano do interior e disse: eu gostaria de ajudar a desencravar uma unha de algum companheiro aí que esteja precisando. Eu disse: Delúbio, obrigado. Eu quero participar da formulação do governo, mas mensalão eu não quero não! - contou Jefferson, informando que depois toda a bancada rejeitou por unanimidade.

Logo em seguida Jefferson passou a relatar como negociou o acordo com o PT para receber dinheiro para campanha. Acertou tudo, segundo seu relato, em várias reuniões, na sede do PT em Brasília, no Edifício Varig, com o presidente José Genoino, o tesoureiro Delúbio Soares e Marcelo Sereno, atual secretário de Comunicação do PT.

- Aprovaram os R$20 milhões para as campanhas do PTB em todo Brasil. Mas só cumpriram a primeira parcela em julho.

Segundo ele, o dinheiro foi levado em duas ocasiões pelo publicitário Marcos Valério à sede do PTB em Brasília.

Mais tarde, perguntado sobre a contradição de rejeitar o mensalão mas aceitar doação ilegal, Roberto Jefferson respondeu que todo mundo está cansado de saber como as campanhas são financiadas no Brasil: com dinheiro da iniciativa privada, de empresários que fazem negócios nos governos, disse.

O deputado Orlando Fantazzini (PT-SP) quis saber por que a doação dos R$4 milhões não foi registrada na Justiça Eleitoral. Ele respondeu que recebeu como pessoa física, caindo em nova contradição:

- Recebi a doação como cidadão Roberto Jefferson, não como presidente do PTB. Não quero envolver meu partido, não posso envolver meu partido. Quero prestar conta como o cidadão Roberto Jefferson.

FALTA EXPLICAR

ENCONTROS COM LULA: O deputado Roberto Jefferson disse que apenas em janeiro deste ano teve acesso ao presidente Lula para fazer a denúncia sobre o mensalão. Em outubro de 2004, no entanto, ele recebeu Lula em seu apartamento em Brasília. Segundo o Planalto, Lula e Jefferson estiveram juntos 14 vezes até janeiro de 2005.

MESADA: Jefferson alega ter recusado o mensalão. No entanto, não viu problema em acertar com o PT o recebimento de R$20 milhões a título de ajuda para campanhas eleitorais do PTB e confessou ter recebido R$4 milhões, referentes à primeira parcela desse acerto, sem saber da procedência do dinheiro.

ACORDO: O deputado também admitiu que tentou acordo com o governo antes da denúncia: "Em política, a gente deve tentar ajeitar as coisas até o momento da ruptura".

Legenda da foto: JEFFERSON RECEBE Lula, Dirceu e o ministro Mares Guia para um jantar em outubro do ano passado