Título: UM ROTEIRO
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Fonte: O Globo, 15/06/2005, Opinião, p. 6

Ao seguir o script das entrevistas que concedeu, o presidente nacional do PTB, deputado Roberto Jefferson, prestou um depoimento no Conselho de Ética da Câmara sem surpresas. Mas nem por isso deixou de causar impacto.

Com técnicas de oratória e teatralização típicas de advogado criminalista acostumado a freqüentar o tribunal do júri, o deputado procurou atacar a parte da imprensa de que não gosta - veículos das Organizações Globo, como este jornal, o "Estado de S.Paulo" e a revista "Veja" - embora não consiga responder a qualquer das denúncias que considera ofensivas. Além disso, por fazer parte de uma das categorias mais execradas pela opinião pública, conforme mostram as pesquisas, o deputado não tem credibilidade para investir contra a imprensa, instituição, ao contrário dos políticos, avaliada positivamente pela população.

O deputado também deixou transparecer seu traquejo em fazer barganhas, quando tornou evidente ter tentado negociar o silêncio. Mas é de tamanha gravidade o depoimento de Roberto Jefferson que ele deve ser considerado o marco zero da CPI dos Correios, porta de entrada ao mundo dos mensalões e, espera-se, de todo tipo de relacionamento deformado que a banda podre da política desenvolveu com empresários e negocistas em geral.

Tenha ou não provas do que denuncia, Roberto Jefferson, pelo espaço que ocupou na aliança de apoio ao governo, pelas barganhas das quais diz ter participado e negociações fisiológicas em que foi peça-chave, precisa ser levado a sério - mas também investigado com todos os instrumentos legais da CPI. Mensalão pago pelo PT, malas de dinheiro ilegal transportadas com o suposto conhecimento da Casa Civil e do comando do PT, nada disso pode ser considerado calúnia. Tem de ser bem esclarecido.

Experiente no toma lá da cá da baixa política, o dirigente petebista preferiu limitar ao ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, a participação do PTB no primeiro escalão e dar prioridade a cargos em estatais - onde circula muito dinheiro sem alarde. Foi assim que o deputado passou a ter acesso a orçamentos milionários e a concorridos balcões de negócios na Infraero, Correios, Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), Eletronorte, Eletronuclear e BR Distribuidora, entre outras estatais.

É compreensível que um novo governo, de oposição, queira ocupar espaços antes sob controle de adversários. O problema está no tipo de negociação feita para a distribuição desses cargos, no que é oferecido a mais pelo governo para obter sustentação no Congresso e como os políticos e partidos utilizam os espaços conquistados na máquina pública - verdadeiras capitanias hereditárias como as presenteadas pela coroa portuguesa no Brasil Colônia.

As acusações de Jefferson e outras denúncias feitas em torno das evidências de acertos espúrios fechados com o PP, PL e PTB por dirigentes do PT próximos de parte da cúpula do governo são uma rara oportunidade de se projetar luz nesse submundo e, com isso, se aperfeiçoar o sistema político.

Os relatos de recolhimento ilegal de dinheiro para o PTB por meio dos Correios e do IRB levam à razoável suposição de que o mesmo esquema é utilizado em outras empresas públicas infiltradas de apadrinhados políticos. Cobrar comissões de fornecedores é conhecida gazua acionada por quadrilhas de colarinho branco para saquear os cofres públicos. Essas comissões terminam embutidas no custo das compras de bens e serviços pelo Estado, e no final quem paga a conta é o Tesouro, ou seja, o contribuinte.

O caso do mensalão distribuído, segundo as denúncias, a partidos aliados pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares, é uma peça desse mesmo quebra-cabeças. Que, se for montado, desvendará o mapa seguido por alguns partidos e políticos para se financiar com dinheiro ilegal. Roberto Jefferson diz ter feito um acerto com o PT para receber R$20 milhões destinados à campanha petebista nas eleições municipais. Garante ter levado só R$4 milhões. Por duas remessas, em dinheiro vivo transportado em malas. Consta não haver registro dessa contribuição no PT, nem no PTB, uma ilegalidade.

Se essas malas existiram mesmo, o rastro do conteúdo delas precisa ser investigado pela CPI. A melhor pista são os postos-chave na máquina do Estado ocupados por indicações políticas e incontáveis contratos de compras públicas. Do que for.

A comissão parlamentar de inquérito tem ainda à sua disposição a deputada tucana de Goiás, Raquel Teixeira, vítima confessa de assédio para aderir ao PL em troca de um mensalão entre R$30 mil e R$50 mil e de luvas de R$1 milhão. Por enquanto, ela não nega nem confirma. Espera ser convocada pela comissão.

Como previsto, a CPI dos Correios terá de ser mais ampla. E depois do dia de ontem, passou a ser fundamental que faça uma investigação séria, profunda e rápida.

Jefferson não é o indicado para fazer críticas à imprensa

A CPI terá de ser séria, profunda e agir com rapidez