Título: Jefferson confirma esquema de 'fabriquinhas'
Autor: Isabel Braga e Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 15/06/2005, O País, p. 10

Deputado diz que Lídio Duarte foi para presidência do IRB sabendo que teria de ajudar financeiramente o partido

BRASÍLIA. O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) confirmou no depoimento à Comissão de Ética da Câmara o esquema de "fabriquinhas" denunciado pelo GLOBO, na edição de domingo, em que as nomeações políticas em órgãos do governo e em estatais servem para arrecadar recursos para os partidos que apóiam o governo. Ao justificar para o líder do PL, Sandro Mabel (GO), o pedido que fez ao ex-presidente do Instituto Brasileiro de Resseguros (IRB) Lidio Duarte, para que ajudasse a recolher recursos para o partido, afirmou:

- Vossa Excelência não nomeia para estatais sem contrapartida para o partido. Vamos abrir... Por que nomear para o Dnit, para a Valec? Só que eu, olhando nos olhos do Brasil, admito. O modelo está certo? Vamos ter que discutir os critérios de nomeação.

Empresários deveriam doar R$60 mil cada um

Segundo o presidente do PTB, Lídio Duarte foi informado, desde o primeiro momento, que sua ida para o IRB teria como contrapartida a ajuda financeira ao PTB. Que ele faria contato com um grupo de empresários e cada um ajudaria com R$60 mil. Tempos depois, Duarte o procurou para dizer que os empresários não estavam dispostos a contribuir oficialmente, só no esquema de caixa dois, e que assim ele não iria arrecadar.

A declaração de Jefferson foi dada no momento em que ele debatia com Mabel, apontado como um dos operadores do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, no pagamento de mesada a deputados da base.

Perguntado pelo relator da Comissão, Jairo Carneiro (PFL-BA), sobre a origem dos recursos que o PT supostamente distribuia entre outros partidos da base, Jefferson respondeu:

- O senhor tem que perguntar ao Genoino e ao Delúbio. Pelo que ouvi do Marcos Valério, ele faz via agência de publicidade nos contratos que tem. Penso que é dessa relação de empresas privadas com o governo. Não há nenhum partido que não o faça e o de Vossa Excelência também. Não aluguei meu partido. Mas temos a hipocrisia de não confessar isso ao Brasil. Que o dinheiro vem de empresários que mantêm relações com as empresas públicas. Esse dinheiro contaminou o PT. Mas não há quem não o faça.

O deputado nomeou pessoas de sua confiança para o IRB, Correios, Caixa Econômica Federal, Eletronorte e outras estatais federais. Jefferson admitiu publicamente o que nos bastidores do governo é visto com naturalidade: o uso de recursos públicos para garantir o apoio dos partidos da base aliada.

O funcionamento das "fabriquinhas" está sendo investigado pelo Ministério Público e deve ser um dos focos da CPI dos Correios. O modo de operação dos políticos da base aliada e do próprio PT, neste caso, seria o assédio a empresários que tem negócios com o governo para que efetuem contribuições espontâneas aos partidos. Em troca, teriam esses negócios facilitados. No caso de resistência, um negócio pode ser inviabilizado, mesmo que seja feito dentro da lei, segundo o relato de personagens que já estiveram na linha de produção das "fabriquinhas".

- Essa audiência de hoje serviu de instrução para a CPI dos Correios. Mostrou que o mensalão já está dentro da CPI e que o pagamento se dá via estatais - disse Eduardo Paes (PSDB-RJ), integrante da CPI.

'Sublimei o mandato, quero lavar minha honra'

Jefferson faz discurso da moralidade

A defesa da honra pessoal e do partido e o apelo à moralidade dominaram o discurso de Roberto Jefferson ontem no Conselho de Ética. Depois do ataque ao presidente do PL, Valdemar Costa Neto, a quem acusou novamente de receber e repartir dinheiro do mensalão, Jefferson recorreu à Bíblia, a frases feitas e figuras de linguagem para falar "de frente, olhando nos olhos da pátria". E disse que não tinha receio de ser cassado pelas denúncias que vem fazendo.

- Sublimei o mandato, passei dele, não vou lutar por ele. Tenho um objetivo maior. Quero lavar a minha honra, a honra de meu partido - repetiu várias vezes o presidente do PTB.

Mais de uma vez, também, Jefferson mencionou as pressões que sua família teria sofrido quando foi investigado por duas CPIs anteriores e disse estar preparado para a "batalha solitária" de agora.

- Quebraram o sigilo bancário do meu pai, da minha mãe, investigaram minha sogra, agrediram meu filho só porque ele era o filho do Roberto Jefferson.

Ao afirmar que o presidente Lula não sabia do pagamento do mensalão, contou que viu "um homem simples desabar" quando lhe contou que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, estava dando mesada a parlamentares da base aliada.

- O presidente Fernando Henrique ouviu falar de miséria lendo "Vidas Secas", de Graciliano Ramos. Collor, lendo os versos de Catulo da Paixão Cearense. Mas Lula, não. Ele sabe o que é a miséria, o desemprego. É um homem simples.

Jefferson disse que Lula reagiu ao mensalão como se tivesse ouvido alguém dizer "olha sua mulher ali com outro homem", e que José Dirceu - a quem chamou de Rasputin, o monge todo-poderoso da Rússia pré-revolucionária - pode transformá-lo em réu.

- Dirceu, se você não sair daí (do governo) rápido, vai fazer réu um homem inocente, que é o presidente Lula. Sai daí rápido, Zé.

Jefferson usou uma imagem bíblica para se referir ao chefe da Casa Civil.

- Entre os 12 apóstolos, o traidor era o mais intelectualizado - disse, e também recorreu às Sagradas Escrituras para explicar a decisão de fazer as denúncias:

- Não podem me jogar no covil dos leões, não sou Daniel.

Legenda da foto: DEPUTADOS NO PLENÁRIO da Comissão de Ética: nomeações políticas para arrecadar recursos