Título: IRÃ VIVE TENSA RETA FINAL PARA AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 15/06/2005, O Mundo, p. 35

Ameaças telefônicas, cartas anônimas, temor de fraude e da ação dos militares tomam conta do cenário político

TEERÃ. Às vésperas da eleição presidencial da próxima sexta-feira, o Irã se vê mergulhado num clima de apreensão e tensa expectativa. Além de ameaças telefônicas anônimas sobre novos atentados a bomba - cinco já ocorreram domingo passado - também está no ar o temor de uma fraude eleitoral, com facções do próprio governo duelando publicamente sobre a legalidade de ações planejadas pelas forças militares com o objetivo de favorecer candidatos ligados a elas.

Filha do candidato favorito sofreu constrangimento

Como se isso não fosse suficiente, num país onde até aqui o governo tinha controle absoluto da situação, os iranianos vêm também se surpreendendo com o fato de que, de madrugada, mãos misteriosas vêm deslizando cartas sob as portas de casas da capital iraniana e de outras cidades com acusações a determinados candidatos. Agindo de forma mais aberta, pichadores têm rabiscado nos muros ofensas a alguns deles.

- É preciso investigar rapidamente as violações eleitorais, assim como identificar e punir severamente quem está por trás dos recentes distúrbios de certas funções e de comícios - ordenou o presidente Mohammad Khatami, dirigindo-se ao Ministério do Interior, responsável pela coordenação das eleições.

Coincidentemente, quando ele emitia aquelas ordens, a polícia anunciava a prisão de seis suspeitos das explosões ocorridas em Ahvaz, na fronteira com o Iraque - causando a morte de oito pessoas e ferimentos a outras 90 - e um suspeito por um atentado a bomba numa praça em Teerã, que matou uma pessoa e feriu três gravemente.

Vários jornais locais publicaram na primeira página uma fotografia de Behzad Nabavi, ex-líder do Parlamento, com um olho roxo e um corte na cabeça. Ele foi atacado por desconhecidos quando fazia campanha em favor do candidato reformista Mustafa Moin, que ontem aparecia em segundo lugar, com 18,9% das intenções de voto, em pesquisa feita pela agência de notícias oficial Irna.

Fatemeh Hashemi Rafsanjani, filha do candidato favorito - Ali Akhbar Hashemi Rafsanjani, que tem 27,1% das intenções de voto - também foi vítima da violência política. Uma unidade especial da polícia interrompeu a passagem de seu comboio que levava cartazes com fotos de seu pai na cidade de Qazvin.

Em Teerã, o porta-voz do Ministério do Interior, Jahanbakhsh Khanjani, fez ameaça a candidatos à Presidência - curiosamente sem mencionar os nomes dos acusados - dizendo que em seus comícios "têm colocado em dúvida as realizações da Revolução Islâmica".

Khanjani, também sem mencionar nomes, disse ter recebido informações de que uma frota de carros carregando cartazes "de um candidato presidencial" foi visto circulando na zona noroeste de Teerã com os seus alto-falantes despejando "música ocidental em plena luz do dia", o que está proibido no Irã:

O episódio mais significativo do clima de tensão foi o inusitado atrito público entre o Ministério do Interior e o Conselho de Guardiães da Revolução Islâmica. Mês passado, o ministro do Interior, Abdolvahed Moussavi Lari, pediu às forças militares para que ficassem fora de atividades referentes à eleição para evitar o risco e/ou as acusações de fraude na votação.

Quatro dos oito candidatos têm passado militar

Porém, eles anunciaram que vão supervisionar a eleição com base num parecer daquele conselho segundo o qual "não existe impedimento legal algum a que forças militares participem como supervisoras ou em tarefas executivas das eleições". Para piorar, os basij - milícia religiosa com 400 mil membros - também pretendem participar da supervisão das eleições. O ministro do Interior ficou furioso, dizendo que isso era "uma ameaça direta à realização de uma eleição saudável".

- Há nos bastidores um cheiro de preparação de interferências no curso das eleições por parte de militares - disse o porta-voz, Khanjani, lembrando que quatro dos oito candidatos têm recente passado militar.

A última palavra foi do presidente Khatami. Ele determinou que se notificasse "a organizações oficiais que elas são constitucionalmente proibidas de se manifestar em favor de um ou outro candidato". Resta saber se, sob o manto protetor do Conselho de Guardiães, os militares e as milícias acatarão a ordem presidencial.

"É preciso investigar rapidamente as violações eleitorais, assim como identificar e punir severamente quem está por trás dos recentes distúrbios de certas funções e de comícios"

MOHAMMAD KHATAMI

Presidente do Irã, em determinação ao Ministério do Interior

Legenda da foto: UMA SEGUIDORA de Mohammad Qalibaf com o retrato do candidato