Título: Cortar e curar
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 16/06/2005, O Globo, p. 2

O velho câncer do sistema político espalhou focos de malignidade no governo e no Congresso. A gravidade e o tamanho desses tumores, a boa investigação há de revelar. Não bastarão providências cirúrgicas, cassações de mandatos, mudanças no governo ou até mesmo golpes mortais em alguns partidos. Quem está ferido é o sistema representativo, pilar da democracia.

Desta vez, se confirmada a extensão das metástases, será preciso tentar formas de cura. O que o deputado Roberto Jefferson apontou, até com espantosa naturalidade, foram os velhos cânceres do sistema: a forma como os partidos se financiam, e às suas campanhas, com dinheiro público, e o aparelhamento do Estado para atender a estas necessidades, transformando alguns órgãos em fontes perenes de corrupção e desmandos. As maquininhas de fazer dinheiro, como mostrou a reportagem do GLOBO de domingo.

Não se mudará o sistema da noite para o dia, mas também não se irá consertá-lo com a condenação de alguns à fogueira. Isso é necessário mas não resolve. Já houve uma CPI dos Orçamento que cassou deputados, mas outras formas de sucção de recursos públicos surgiram. Já houve o caso do PSDólar - mudança de partido remunerada, seguida de cassações - mas temos notícia de oferta de luvas para mudança de partido. Uma alta figura do governo passado dizia ontem que, se tivesse havido a CPI da compra de votos para aprovar a emenda da reeleição, a ação exemplar talvez tivesse evitado que se chegasse ao que nunca houve, o suposto mensalão. Ainda que isso tenha acontecido não apenas pela desenvoltura crescente de certo segmento parlamentar, mas também por conta dos erros do PT na condução de suas alianças e na relação com o Congresso. Se o mensalão comprou a maioria mesmo, expressou um grande desprezo pela instituição parlamentar. Os expurgos, entretanto, nada resolverão se o sistema político não for mudado, pelo menos em seus pontos mais malignos. E se não houver, também, uma drástica redução nos cargos de livre provimento.

Na semana passada o presidente Lula lançou uma ofensiva pela aprovação da reforma política. Foi vista como diversionismo por alguns setores, como o PFL, que ontem sabotou a reunião promovida pelos presidentes da Câmara, Severino Cavalcanti, e do Senado, Renan Calheiros, em busca de um acordo para se votar logo os projetos encalhados. Tratam eles do financiamento público de campanhas e do voto em lista que, segundo um acordo anterior, iriam vigorar apenas em 2010. Agora talvez seja possível apressar o calendário. E ainda da fidelidade partidária e das restrição às coligações nas eleições proporcionais.

O PSDB, diferentemente, compareceu, e seus líderes acham que é perfeitamente possível avançar nessa linha, sem prejuízo das investigações. A CPI não será paralisada por isso, nem os meios de comunicação irão deixar de jogar-lhe toda luz. O governador de Minas, Aécio Neves, voltando a repetir que a crise é grave mas a figura do presidente merece respeito e deve ser preservada, defende que se invista também nesta via paralela.

- Nós achamos que é importante fazer a cirurgia ao mesmo tempo que buscamos a cura, ou pelo menos os remédios que podem controlar a doença sistêmica. O senador Eduardo Azeredo e o deputado Alberto Goldman estiveram na reunião e no que depender de nós, as negociações da reforma política ganharão impulso. É importante também mostrarmos que a vida política não se reduziu nesta triste hora a uma grande delegacia de polícia.

De fato, além da CPI dos Correios, que fatalmente investigará o mensalão depois que ouvir Jefferson, as denúncias continuarão sendo investigadas pela Corregedoria da Câmara, o Conselho de Ética e a Polícia Federal. E ainda pode ser instalada mais uma CPI, específica para o mensalão. A PF terá que continuar atuando, faz a parte do Poder Executivo no processo. Mas no Congresso, será preciso concentrar esforços, para acelerar os resultados e abreviar a crise.

A vertigem paralisante

O PT, que nem foi capaz de mandar seus melhores combatentes para o Conselho de Ética, onde o deputado Roberto Jefferson contou coisas que fazem muito sentido e outras imprecisas, apenas para fortalecer sua narrativa, continuava tonto ontem. Hoje a bancada irá ao Planalto, à luz da tarde, visitar o presidente Lula. Não se sabe bem para que, mas mesmo este gesto foi produzido por Lula. Ao pedido de audiência dos 12 deputados que apoiaram a CPI quando o governo tentava evitá-la, Lula respondeu que não receberia grupos, só a bancada toda.

O que todos cobram é uma atitude forte do presidente, mas ele está realmente sem margem de manobra neste momento. Tirar Dirceu agora seria atender a Jefferson, que, num gesto maquiavélico, cortou o movimento que vinha sendo ensaiado desde a semana passada com aquela frase: "Zé, sai logo se não vai fazer réu um homem inocente".

Uma reforma ampla do ministério também é complicada. Uma opção seria desistir dos aliados queimados e ficar apenas com o PMDB. Mas sendo deste partido o relator da CPI, a entrega de novas pastas pareceria acordo para abafar as investigações. Por isso o presidente do Senado, Renan Calheiros, saiu-se ontem com aquela frase: "Não se troca de cavalo durante a corrida".

E que corrida!

FH está preocupadíssimo. Andou dizendo que a crise é mais grave que a de Collor.

O PTB vai manter Roberto Jefferson na presidência do partido e entregar seus cargos ao governo.