Título: A 'CPI chapa-branca'
Autor: Adriana Vasconcelos e Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 16/06/2005, O País, p. 3

Mesmo com duas traições, governo garante por um voto o controle da comissão

Ainda que com uma margem apertada, já que pelo menos dois representantes da base aliada votaram no candidato da oposição, senador César Borges (PFL-BA), o governo conseguiu vencer ontem sua primeira batalha e garantiu o controle dos trabalhos na CPI dos Correios. Por 17 votos a 15, elegeu para a presidência da comissão o líder do PT no Senado, senador Delcídio Amaral (MS), que indicou o deputado aliado Osmar Serraglio (PMDB-PR) para relator.

Depois de uma semana de negociações, governo e oposição não conseguiram chegar a um consenso sobre o comando da CPI. Delcídio, candidato do governo à presidência, chegou a anunciar na véspera da eleição que não disputaria mais a vaga, irritado com o pouco caso do Palácio do Planalto com as dificuldades enfrentadas pela base - o PFL não aceitou o veto da base aliada ao nome de César Borges para o cargo. Delcídio só voltou atrás ontem de manhã, depois de ouvir um apelo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

- Como foi um pedido do presidente, não posso deixar de atender. Tentaremos de todas as maneiras atender às solicitações do presidente, que espera que tudo seja levantado. Vamos fazer um trabalho absolutamente isento - disse o líder petista.

A oposição classificou o pedido de Lula como uma interferência indevida do presidente na CPI.

- A indicação de Delcídio depois dele ter saído da sala do presidente Lula caracteriza a CPI como chapa-branca - protestou o líder do PFL, deputado Rodrigo Maia (RJ).

Mesmo reclamando da composição chapa-branca, já que os dois principais cargos da CPI ficaram nas mãos de aliados do governo, a oposição não se opôs a fazer um acordo logo depois para aprovar a primeira convocação da comissão. Pelo acordo, na próxima terça-feira a CPI ouvirá o depoimento de Maurício Marinho, funcionário há 28 anos do Correios que foi flagrado cobrando propina em nome do PTB.

Pefelista rejeita cerceamento

O depoimento de Marinho deverá ser o pontapé inicial para as investigações da CPI que, inicialmente, foi proposta para apurar denúncias de corrupção nos Correios. Embora o relator Osmar Serraglio tenha adiantado ontem que não pretende se desviar deste foco, a oposição está disposta a ampliar o âmbito das investigações caso seja apresentado qualquer indício de que o mensalão de R$30 mil supostamente pago a parlamentares da base tenha sido financiado com recursos da estatal.

- Se nos depararmos com informações de que o mensalão era subsidiado com dinheiro dos Correios, não há como a CPI dos Correios deixar de investigar. Isso seria cerceamento - disse o líder do PFL, senador Agripino Maia (RN).

Antes da eleição de Delcídio, PSDB e PFL prometeram dar o troco ao governo nas votações de interesse do Executivo no Congresso e avisaram que estão prontos para denunciar qualquer manobra governista para impedir a apuração das denúncias de corrupção nos Correios ou mesmo do mensalão. Em defesa da própria candidatura, César Borges argumentou:

- O Delcídio é o líder do PT no Senado. Como ele vai investigar a si próprio? Nunca vi um líder de partido presidir uma CPI.

Delcídio, no fim da reunião da CPI, admitiu que estudará a possibilidade de se afastar da liderança do PT enquanto estiver presidindo a comissão. Ficou acertado também entre a oposição e o governo que qualquer desvio de rota da CPI - seja para o que os oposicionistas chamam de abafa ou para criação do que os governistas chamam de palanque eleitoral - será discutido pelo colégio de líderes no Senado.

RAIO-X DA COMISSÃO DE INQUÉRITO

OS TITULARES

SENADORES:

Delcídio Amaral (PT-MS), presidente

Maguito Vilela (PMDB-GO), vice-presidente

Luiz Otávio (PMDB-PA)

Wirlane da Luz (PMDB-RR)

Ney Suassuna (PMDB-PB)

Ideli Salvatti (PT-SC)

Tião Viana (PT-AC)

Aelton Freitas (PL-MG)

Fernando Bezerra (PTB-RN)

Heráclito Fortes (PFL-PI)

César Borges (PFL-BA)

Sérgio Guerra (PSDB-CE)

Álvaro Dias (PSDB-PR)

Demóstenes Torres (PFL-GO)

Jefferson Peres (PDT-AM)

Heloisa Helena (PSOL-AL)

DEPUTADOS:

Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator

Carlos Abicalil (PT-MT)

Jorge Bittar (PT-RJ)

Maurício Rands (PT-PE)

Asdrúbal Bentes (PMDB-PA)

Fernando Diniz (PMDB-MG)

Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA)

Onyx Lorenzoni (PFL-RS)

Eduardo Paes (PSDB-RJ)

Gustavo Fruet (PSDB-PR)

Nélio Dias (PP-RN)

Nelson Meurer (PP-RR)

José Múcio Monteiro (PTB-PE)

Sandro Mabel (PL-GO)

Denise Frossard (PPS-RJ)

Álvaro Dias (PDT-RN)

AS ATRIBUIÇÕES

DO PRESIDENTE: Caberá ao senador Delcídio Amaral (PT-MS), escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar a presidência da CPI, convocar as sessões da comissão, marcar audiências e controlar todos os processos de votação, assim como organizar os trabalhos da CPI, conceder ou cassar a palavra de qualquer parlamentar e autorizar ou não questões de ordem.

DO RELATOR: O deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), também um aliado do governo, terá a prerrogativa de encaminhar qualquer pedido de convocação ou de solicitar quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico. Embora os demais integrantes da CPI também possam apresentar requerimentos deste tipo, os encaminhados pelo relator normalmente têm prioridade durante as votações. O presidente e o relator de uma CPI são os únicos com acesso total a qualquer tipo de informação ou documentos encaminhados à comissão, mesmo que sejam sigilosos. Normalmente, esse material fica sob a responsabilidade do relator, que é quem analisará tudo com mais atenção, até para poder apresentar as conclusões sobre o processo de investigação.

Legenda da foto: ARTHUR VIRGÍLIO, líder do PSDB no Senado, cumprimenta Aloizio Mercadante, líder do governo, após a sessão que elegeu o presidente e o relator da CPI dos Correios