Título: ÂNIMO NO IRÃ
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Fonte: O Globo, 16/06/2005, Opinião, p. 6

O reformista Mohammad Khatami é presidente do Irã desde 1997, mas do ponto de vista político a república islâmica é a mesma teocracia hermeticamente fechada de quando ele assumiu. O seu plano de abertura encontrou forte resistência e foi tão longe nesses oito anos quanto o permitiu a poderosa ala conservadora chefiada pelo aiatolá Ali Khamenei. Ou seja, não avançou quase nada.

Isso talvez explique o pouco interesse que os eleitores iranianos, na maioria jovens de tendência reformista, têm demonstrado pela eleição de amanhã - que, se as pesquisas de intenção de voto refletirem a realidade, deverá dar vitória apertada ao ex-presidente Hashemi Rafsanjani, que antecedeu Khatami e foi homem de confiança do pai da república islâmica, o aiatolá Ruholah Khomeini.

A própria desilusão do eleitorado é prova do desentrosamento do sistema implantado pela revolução de 1979 com as expectativas das novas gerações de iranianos. Até conservadores empedernidos, como Khamenei, começam a reconhecer essa realidade e a fazer concessões, ainda tímidas mas nem por isso menos significativas. Um dos sinais mais fortes da mudança de clima é a liberdade de informar e ser informado, bem maior nesta campanha do que nas anteriores. No vale-tudo das promessas eleitorais, os oito candidatos fizeram praticamente o mesmo discurso liberalizante, com freqüentes alusões à democracia, ao livre mercado e à participação das mulheres na vida pública.

Retórica à parte, só há um candidato reconhecidamente reformista, Mustafa Moin, que aparece em segundo ou terceiro lugar. Mas o próprio Rafsanjani, político extremamente hábil que a bem da verdade nunca foi um linha-dura, tem prometido grandes mudanças. Seu discurso é conciliatório e pragmático, advogando a reaproximação com o Ocidente e a abertura de "um novo capítulo" nas relações entre o Irã e os EUA.

A velha cúpula revolucionária precisa se adaptar ao mundo, e a perspectiva de vitória de um situacionista sagaz e antenado como Rafsanjani não deveria desanimar os eleitores. Profundamente ligado ao sistema, ele pode ser o líder de que o Irã precisa para ajustar-se aos novos tempos.

Eleições podem fazer avançar a distensão do regime