Título: Jefferson pede Dirceu como sua testemunha
Autor: Valderez Caetano e Maria Lima
Fonte: O Globo, 16/06/2005, O País, p. 12

Delúbio e Genoino também são arrolados; Palocci é poupado mas será convidado a depor na Corregedoria

BRASÍLIA. Cinco minutos antes do fim do prazo regimental, às 19h de ontem, os advogados do presidente do PTB, Roberto Jefferson, entregaram à presidência do Conselho de Ética sua defesa escrita no processo movido contra ele pelo PL por falta de decoro parlamentar. Jefferson não apresentou provas, mas arrolou como testemunhas 25 pessoas, entre elas o ministro da Casa Civil, José Dirceu, e dirigentes do PT como o presidente do partido, José Genoino, e o tesoureiro Delúbio Soares.

Jefferson deixou de fora o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, embora na véspera tenha afirmado que ele tinha conhecimento do mensalão.

- O deputado tem direito a arrolar apenas cinco testemunhas. Vamos ver quais são mais convenientes. De que adianta chamar o ministro Palocci se ele vai dizer que não sabia do esquema? - disse o presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-PR).

Na defesa apresentada, os advogados argumentam que a acusação de falta de decoro não procede porque a questão tem que ser decidida no Supremo Tribunal Federal e não no Conselho de Ética.

Numa outra frente, a Comissão de Investigação (Corregedoria-Geral) decidiu convidar para depor 40 pessoas. Ontem, estava prevista a ida à Corregedoria de Jefferson, mas ele pediu o adiamento justificando cansaço devido ao depoimento do dia anterior.

A intenção da Corregedoria é ouvir primeiro os parlamentares citados por Jefferson, como o presidente do PL, Valdemar Costa Neto (RJ), o líder do partido, Sandro Mabel (GO), e o presidente do PP, Pedro Correia (PE). Serão ainda convidados Genoino, Delúbio, Dirceu, Palocci e Ciro Gomes. O dono da agência de publicidade SMP&B, Marcos Valério, e a ex-secretária da agência, Fernanda Karina Ramos, também foram convidados.

Jefferson voltará hoje a atacar o governo Lula e o PT nas inserções do partido na TV.

COLABOROU Ilimar Franco

O QUE FALTA EXPLICAR

MENSALÃO

De onde saía o dinheiro para o pagamento do mensalão aos deputados de PP e PL? Quem da cúpula do PT, além do tesoureiro Delúbio Soares, tinha conhecimento dele? Qual o sistema usado para o pagamento, através de quem ou de quais empresas?

Quais deputados, além dos seis líderes do PP e do PL citados por Roberto Jefferson, recebiam o mensalão?

Por que, ao ser avisado do mensalão, o governo não tomou providências? Por que o tesoureiro do PT não foi chamado a dar explicações? Por que nenhum detalhe foi perguntado a Roberto Jefferson quando este denunciou o mensalão ao presidente Lula?

Por que a Comissão de Sindicância do Congresso arquivou a investigação do mensalão praticamente sem fazer qualquer investigação?

Quem foi o autor da proposta de pagamento de mesada para convencer a deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) a mudar de partido? Foi mesmo o deputado Sandro Mabel (PL)?

Há registro de depósitos mensais no valor de R$30 mil nas contas dos deputados Valdemar Costa Neto, Pedro Corrêa, José Janene, Pedro Henry e Sandro Mabel e Bispo Rodrigues, citados por Jefferson como tendo recebido o mensalão? Eles estão dispostos a aceitar a quebra de sigilo bancário?

DOAÇÕES DE CAMPANHA

É verdade que o PT repassou para o PTB R$4 milhões em espécie, enchendo duas malas com cédulas de R$50 e R$100 do Banco Rural e do Banco do Brasil? Por que o dinheiro não foi declarado à Justiça Eleitoral? Qual é a sua origem? Por que o PT usava, como disse Jefferson, o publicitário Marcos Valério para repassar o dinheiro ao PTB?

Delúbio Soares, tesoureiro do PT, participou do recolhimento desse dinheiro? Por ordem de quem? Quem mais da cúpula do PT sabia desta doação irregular? Por que o PT também não declarou o repasse? Houve repasses para outros partidos?

Os bancos têm registro destes saques. Em nome de quem ou de que empresa foram feitos? Quem ou quais empresas fizeram os depósitos? Há rastro nas duas instituições financeiras?

É verdade que o PTB foi o partido da base que pediu menos dinheiro ao PT? Quanto pediram os outros? Quanto o PT prometeu e quanto repassou?

Como funcionava o suposto esquema de arrecadação e distribuição do dinheiro? Quem mais, além de Marcos Valério, operava a serviço de dirigentes do PT?

A secretária Karina Somaggio inventou denúncias contra o publicitário Marcos Valério e dirigentes partidários ou está sendo pressionada a desmenti-las?

PALAVRA DE ESPECIALISTA

MARCUS FIGUEIREDO, cientista político do Iuperj: "O depoimento de Roberto Jefferson foi esclarecedor porque o deputado pôs a nu um problema que tem a ver com o financiamento político, coisa que jamais havia sido feita de modo tão claro. No momento, não é relevante se ele tem provas ou não. A questão é que tudo converge para um problema não resolvido na nossa democracia, o financiamento político."

FERNANDO LATTMAN-WELTMAN, cientista político da FGV: "O depoimento do deputado Roberto Jefferson não foi esclarecedor de modo algum, só pôs mais lenha na fogueira do descrédito das instituições democráticas. Até o momento é palavra contra palavra. Jefferson não provou nada. O melhor resultado que pode haver depois de tudo isso é a pressão da sociedade por uma reforma política para reduzir vícios e tornar mais transparente o processo eleitoral. O pior resultado é o descrédito da democracia."

GERALDO TADEU MONTEIRO, cientista político da UERJ: "De mais significativo, o depoimento trouxe a referência explícita a integrantes da cúpula do PT, especialmente a José Dirceu, como cientes do esquema de mensalão. É uma revelação grave, que deixa o governo em situação delicada. E é um depoimento tristemente revelador do que parece ser moeda corrente na política brasileira, uma barganha antiética no jogo do poder."

PAULO D'ÁVILA FILHO, cientista político da PUC: Houve deslocamentos importantes durante o depoimento. Primeiro, pouco se falou do problema do PTB nos Correios. A atenção foi deslocada para o mensalão. E os partidos de oposição assumiram uma posição diante do problema e ajudaram a deslocar o papel de Jefferson de réu para depoente.

Legenda da foto: ROBERTO JEFFERSON inclui 25 testemunhas em sua defesa escrita, entregue ontem no Conselho de Ética