Título: Colarinho branco e nota gelada
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 16/06/2005, Economia, p. 25

Na maior ação contra a sonegação, PF e Receita prendem donos da Schincariol

Na maior operação para o combate à sonegação fiscal já realizada no país, promovida por Polícia Federal (PF), Receita Federal e Ministério Público Federal (MPF), foram presas ontem em 12 estados 72 pessoas ligadas à indústria de bebidas Schincariol. A Operação Cevada, que começou às 6h e cumpriu ainda 130 mandados de busca e apreensão em empresas e residências, teve em ação 600 policiais e 180 agentes da Receita. Entre os presos estão os cinco proprietários do grupo - Gilberto Schincariol, seus filhos Gilberto Júnior e José Augusto e seus sobrinhos Adriano e Alexandre - diretores, distribuidores e funcionários. Para o superintendente regional da PF em São Paulo, José Ivan Guimarães Lobato, a sonegação da Schincariol é de pelo menos R$1 bilhão, número que tem como base o começo das investigações, há cinco anos.

Segundo uma fonte da Receita, a multa sobre a Schincariol será de 150% do valor sonegado pela empresa. Os donos da empresa serão indiciados também por lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção de servidores públicos e formação de quadrilha. Agora o MPF terá de formalizar as denúncias à Justiça, que dirá se aceita e abre processo.

O serviço de inteligência da Receita só entrou nas investigações em maio de 2004, quando foi montada uma força-tarefa que constatou fraudes e crimes tributários praticados por empresas distribuidoras de bebidas parceiras em benefício da Schincariol.

Em nota divulgada ontem à noite, o grupo Schincariol lamenta o "comportamento violento e sensacionalista" da Operação Cevada e nega as acusações. "Lamentamos a forma como foi conduzida a ação, pautada por um comportamento violento e sensacionalista contra cidadãos de bem, que não ofereceram qualquer resistência, com residência fixa e conhecida, dirigentes de uma empresa que contribui reconhecidamente para o desenvolvimento do país". O grupo diz que a história se repete: "Em 1993, quando alcançamos 4% do mercado de cerveja, fomos alvo de acusações de que nosso crescimento era fruto da sonegação de impostos. Passados 12 anos, quando o grupo Schincariol alcança 13% do mercado, após uma bem-sucedida estratégia de marketing, novamente as falsas denúncias vêm à tona".

Indício de esquema aperfeiçoado

O delegado da PF Cassius Valentin Baldelli, que comandou a Operação Cevada, disse ontem que as operações fraudulentas da empresa começaram a ser desbaratadas quando um distribuidor foi detido no aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, com R$500 mil em espécie.

- Esse dinheiro seria entregue em espécie à Schincariol, não contabilizado. Isso caracteriza o caixa dois. Constatamos, depois, que alguns distribuidores enviavam elevadas quantias em espécie para a fábrica - afirmou o delegado.

Segundo a PF, as investigações indicaram que o esquema foi aperfeiçoado depois de várias autuações feitas por fiscais da Receita. Somente um dos distribuidores investigados chegava a enviar cerca de R$1 milhão por mês.

Despertados para a forma como o grupo operava, os agentes federais aceleraram as investigações.

- As provas que estamos colocando agora no inquérito são indícios de práticas irregulares que geram a ação sonegadora - disse Baldelli.

A devassa fiscal, de acordo com o superintendente-adjunto da Receita Federal em São Paulo, Ronaldo Lomônaco, e as suspeitas não significam o fechamento da empresa:

- Entre os mandados de busca e apreensão tomamos cuidado de levar alguns computadores, por exemplo, mas de copiar arquivos de outros, entendendo que era importante que ficassem na empresa, para que ela continuasse funcionando.

Para o superintendente da PF Ivan Lobato, não há relação entre esses crimes praticados pela empresa e o assassinato de um dos seus fundadores, José Nelson Schincariol, com três tiros, em um assalto na garagem de sua casa, em Itu, em agosto de 2003.

De acordo com a PF, o grupo Schincariol montou um esquema de sonegação fiscal de tributos estaduais e federais com alguns de seus distribuidores terceirizados, utilizando o subfaturamento na venda de seus produtos com o recebimento "por fora" da diferença entre o real valor de venda e o declarado nas notas fiscais. Essa diferença, que caracteriza o caixa dois, era enviada em dinheiro para a diretoria, em Itu. De acordo com a Receita, havia também operações fictícias de exportação, intermediadas por empresas situadas em Foz do Iguaçu (PR) e importação com falsa declaração de conteúdo e classificação incorreta de mercadorias.

As investigações conduzidas por PF, Receita e MPF, segundo o delegado Lobato, sugerem também que parte da matéria-prima usada nas fábricas é adquirida sem a devida documentação fiscal, envolvendo operações simuladas com empresas inexistentes, em nome de laranjas ou de capacidade financeira insignificante, localizadas em estados do Nordeste, como se fossem as verdadeiras compradoras.

Uma das formas de atuar, conforme a PF, era a utilização de placas frias nos caminhões de transportavam as bebidas. Em um bar em frente à fábrica da Schincariol em Cachoeiras de Macacu, no Rio, foram encontradas 87 placas sem lacre. As placas eram usadas para combinar notas frias utilizadas pela empresa com a venda de produtos para estados com vantagens fiscais, quando, na verdade, eram levadas para locais com tributação mais alta.

PF PRENDE NOVE NO RIO, na página 26

É 'sonegation '... é 'sonegation'...

Cenas cinematográficas, como uma ameaça de explosão, marcaram as prisões em Itu

ITU (SP). A prisão dos cinco donos da Schincariol ontem em Itu, a cerca de 90 quilômetros da capital paulista, teve lances dignos de uma produção cinematográfica, que poderia ter como trilha sonora o coro de neurônios da mais recente propaganda da cervejaria gritando "é enrolation". Por volta das 6h os seguranças da casa de Gilberto Schincariol, um dos donos da indústria, onde também moram seus filhos Gilberto Júnior e José Augusto, diretores da empresa, não quiseram abrir o portão para os agentes federais, temendo um seqüestro. Como houve resistência por mais de 20 minutos, os federais chegaram a preparar explosivos para entrar na casa, que ocupa um quarteirão inteiro. Não foi preciso: o pai e os dois filhos, que moram juntos, foram presos e levados algemados para a custódia da Superintendência da Polícia Federal (PF) em São Paulo.

Em suas casas, também em Itu, foram presos os irmãos Adriano Schincariol e Alexandre Schincariol, sobrinhos de Gilberto e também sócios da fábrica. Eles são filhos de José Nelson Schincariol, fundador da empresa, assassinado em agosto de 2003. Os diretores José Assis de Carvalho, administrativo, e José Domingos Francischinelli, financeiro, também foram presos antes de saírem de casa, em Itu. O mandado da Justiça prevê prisão temporária de cinco dias para todos os detidos. No Estado do Rio, o diretor da fábrica de Cachoeiras de Macacu da Schin, Carlos Rafael, também foi preso.

- Eles serão indiciados por sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção de servidores públicos e formação de quadrilha - disse o superintendente da PF, José Ivan Guimarães Lobato.

Funcionários da portaria da fábrica de Itu ficaram assustados quando policiais e agentes da Receita chegaram, pouco antes de o dia amanhecer. De um terreno alto, em frente à fábrica, saíram os cerca de 80 homens perfilados e armados.

- Parecia uma cena de filme, com aquele monte de gente armada chegando - comentou um funcionário.

Entre os 72 presos, de 77 mandados de prisão que a PF tinha para cumprir ontem, sete são servidores públicos, a maioria agentes fiscais estaduais do Rio de Janeiro (um), de Goiás (quatro), do Pará (um) e de Minas Gerias (dois policiais militares). No Rio de Janeiro, foram presos também Carlos Alberto Britto Viera, diretor regional da PR Distribuidora, de São Gonçalo, e da distribuidora Disbetil, de Itaboraí. Na Disbetil foi encontrado um cofre numa parede falsa com documentos e dinheiro, apreendidos.

Outros presos citados pela Polícia Federal são Cleydson de Souza Ferreira, gerente administrativo da Disbetil; Fernando de Carvalho, um dos altos funcionários da distribuidora Dismar; José Carlos Barbosa Filho, funcionário da Dismar; Mirtes Fabiana Temóteo Ribeiro, funcionária da Disbetil; Neilson de Oliveira Ribeiro, gerente comercial da Disbetil no Paraná; Paulo Fadigas de Souza, fiscal da Receita Estadual; Roberto Borges de Almeida, gerente da TransPotencial Sudoeste; e Robson de Almeida Pinto, representante da Primo Schincariol. Segundo a PF, a maioria das distribuidoras está em nome de laranjas. (Adauri Antunes Barbosa)