Título: MANOBRA CONSERVADORA NO IRÃ
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 16/06/2005, O Mundo, p. 32
Partidos negociam desistência de candidatos para aumentar chances da linha-dura
Às vésperas das eleições presidenciais, os iranianos poderão ter uma surpresa hoje: ver o número de candidatos diminuir para cinco. Isso porque ao perceber que as suas chances de vitória continuam reduzidas, a ala mais conservadora do regime negociava ontem a possibilidade de, em cima da hora, unir-se em torno de um único candidato.
Levando-se em conta a pesquisa de opinião realizada pela agência de notícias do governo, Irna, essa pessoa seria Mohammad Bager Qalibaf, ex-chefe da Polícia Nacional, de 43 anos, que aparecia em terceiro lugar - atrás do favorito Ali Akhbar Hashemi Rafsanjani, 70 anos, o ex-presidente que é tido como um conservador moderado, e Mostafa Moin, 54 anos, ex-ministro da Educação, da ala reformista.
A manobra começou a dar frutos no início da madrugada de hoje: Mohnsen Rezaii, ex-chefe da Guarda Revolucionária - o exército ideológico do regime - que dizia que somente uma bala o faria desistir da candidatura, abandonou a disputa, deixando apenas sete concorrentes no páreo. Os outros dois radicais de direita menos cotados não demonstravam disposição para sair da corrida presidencial.
- Estou feliz em ajudar o povo a tomar com mais facilidade a decisão de escolher um candidato - declarou ele, que, no entanto, não recomendou a seus seguidores votar em outra pessoa.
Sem acordo, país deve ter 2º turno
Segundo Amir Mohebian, editor e colunista de política do jornal conservador "Resalat", as negociações estavam complicadas. E o motivo, disse ele, nada tinha a ver com orgulho pessoal ou algo do gênero, e sim com uma questão de custo político no futuro imediato:
- Parece improvável que um deles desista. O problema é o preço disso. Quero dizer, no caso de haver um acordo entre eles e o escolhido vencer a eleição, ele acabará tendo de pagar um preço demasiado alto - disse Mohebian, acrescentando que o vencedor se veria obrigado a abrir mão de vários planos para poder contentar reivindicações dos que deixaram o caminho aberto para ele e que seriam incompatíveis com a sua própria plataforma de governo.
Caso não haja um acordo, a perspectiva é de que o Irã tenha pela primeira vez um segundo turno. Isso porque os três candidatos com maior índice de intenção de votos não atingem o mínimo exigido pela Constituição (50%) para ser eleito amanhã. A pesquisa da Irna apresentava cifras bem mais baixas: Rafsanjani aparecia com 27,1%, seguido de Moin com 18,9% e Qalibaf, 16,5%.
O Ministério do Interior previu ontem que 60% dos 46 milhões de eleitores deverão comparecer amanhã às urnas. O presidente Mohammad Khatami voltou a apelar aos iranianos para que demonstrem ao mundo que a democracia está estabelecida no país, insistindo em que um alto índice de comparecimento daria mais legitimidade a seu sucessor.
- Eu espero que, com uma entusiástica participação na eleição, o povo responda àqueles que gostariam que o Irã permanecesse retrógrado e dependente - disse ele.
Khatami também fez um apelo aos candidatos: que o vencedor cumpra as promessas feitas ao longo da campanha. No penúltimo dia de comícios, estes procuraram cativar a atenção de duas faixas do eleitorado consideradas cruciais para a vitória: os jovens (70% da população tem menos de 35 anos) e as mulheres.
Por sua vez, Rafsanjani disse que como presidente iniciaria "a segunda era de reconstrução" do país. Foi uma referência ao trabalho que faltou fazer nos oito anos como presidente (de 1989 a 1997), quando sua principal preocupação era reconstruir a infra-estrutura do Irã, destruída ao longo de oito anos de guerra com o Iraque.
- Agora chegou a hora de fazer o melhor uso dela.
Rafsanjani quer ampliar liberdades
Rafsanjani acrescentou que tal uso significa "ampliar as liberdades do povo" e "resolver o problema americano", ou seja, encontrar uma forma de restabelecer relações diplomáticas com os Estados Unidos e reincorporar o Irã à comunidade mundial. Como se fosse necessário ser mais claro, ele disse ainda:
- Os objetivos da revolução estão enraizados em nossa cultura e nossas crenças. O Irã precisa agora de novas condições dentro de casa e de uma nova forma de interação com o mundo. Globalização não é um slogan: o mundo está se unindo e a Humanidade tem um destino comum .
Com esta declaração, Rafsanjani, alterou radicalmente a postura dos herdeiros do fundador do regime, o aiatolá Khomeini.
Reaproximação pela porta dos fundos
TEERÃ. Iranianos e americanos começam a dar sinais de que, depois de 25 anos de intensa rixa, estão dispostos a lidar frontalmente - ainda que de forma gradual e cautelosa - com as questões que provocaram seu distanciamento. Mas ainda se nota uma clara diferença de enfoque e de estilo nesse sentido. E essa distinção poderia acabar provocando, por si mesma, uma dilatação das tensões.
O Irã vem ensaiando uma aproximação com base em declarações amistosas, manifestando vontade de uma conversa direta. Enquanto isso, os EUA - que se mantinham afastados da tímida abertura iraniana a fim de não criar mais atritos com Teerã - implantam uma estratégia dúbia: aproximar-se pela porta dos fundos, financiando grupos da sociedade civil iraniana que demonstrem intenções de apoiar a democracia no país.
Para isso, o Departamento de Estado já tem em mãos US$3 milhões, aprovados discretamente pelo Congresso semanas atrás. "Procuramos promover o desenvolvimento de partidos políticos, um clima aberto e livre para a mídia, a criação de sindicatos e outras organizações não governamentais", diz o Departamento de Estado. Tais recursos reforçariam os US$15 milhões anuais gastos por Washington com programas de TV - basicamente propaganda política - para o Irã em farsi, idioma do país.
Tudo indica que foi um passo em falso. Mohammad Javad Zarif, embaixador do Irã na ONU, acusou os EUA de violarem acordos assinados na Argélia, nos anos 80, nos quais o governo americano se comprometeu a não intervir "direta ou indiretamente, política ou militarmente, nos assuntos do Irã".
- O Irã gostaria de ter uma atmosfera adequada para que ambos os lados pudessem caminhar rumo a um lugar melhor. Mas achamos que os americanos não estão buscando a solução correta. Eles habitualmente usam ameaças. E ameaças não são base para um diálogo - disse Hassan Rowhani, cujo cargo é equivalente ao de conselheiro de segurança nacional, além de ser o negociador chefe da questão nuclear. (J.M.P.)
Legenda da foto: IRANIANOS PASSAM diante de cartazes de propaganda de Mohammad Bager Qalibaf, um dos candidatos às eleições de amanhã