Título: 'Os EUA deviam aprender a ouvir a ONU'
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Fonte: O Globo, 16/06/2005, O Mundo, p. 32

Ex-inspetor-chefe de armas nucleares critica Washington e Londres por ignorarem organização sobre Iraque

SÃO PAULO. Ex-inspetor-chefe de armas da ONU, o sueco Hans Blix diz que havia outras razões, além de armas, para que os Estados Unidos levassem adiante o plano de derrubar Saddam Hussein e tentar implantar uma democracia no Iraque. À frente da Comissão de Armas de Destruição em Massa, uma ONG, Blix está no Brasil para uma série de palestras.

Embora a ONU afirmasse que o Iraque não tinha armas proibidas, os EUA e seus aliados invadiram o país. Como o senhor analisa o fato de eles terem ignorado a posição da ONU, contrária à guerra?

HANS BLIX: Os militares em Washington têm uma consideração muito pequena pela ONU e pelas suas inspeções. Eles confiam mais em sua própria inteligência. Um erro, porque nós entramos nos prédios, e o máximo que eles podiam ver eram os telhados desses prédios. Visitamos milhares de locais que os serviços de inteligência americano e britânico só conheciam por satélites. Preferiram confiar em suas fontes, que não eram muito boas e em muitos casos só estavam interessadas na guerra. Eles deviam aprender, a partir dessa experiência, a ouvir os inspetores da ONU, e não simplesmente ridicularizá-los.

Então a intenção de levar adiante a invasão tinha outras motivações?

BLIX: Havia muitas razões, claro, para isso. Mas a única que podiam dizer ao público, especialmente ao Congresso americano e ao Parlamento britânico, era a suposta existência das armas de destruição em massa. E eles conseguiram aprovar a invasão. Contudo, essa não era a única razão, nem a mais importante. Paul Wolfowitz (subsecretário de Defesa e hoje presidente do Bird) já destacara a importância de redistribuir as forças militares americanas, concentradas na Arábia Saudita, para outro lugar. Claro que também pretendiam tirar Saddam Hussein do caminho e assim proteger a rota de suprimento de petróleo para os Estados Unidos, o que é compreensível. Mas o método não foi o melhor.

Olhando para o seu trabalho no Iraque, o que hoje faria diferente?

BLIX: Eu tenho tentado pensar sobre essa questão muitas vezes. Eu penso também que se o Conselho de Segurança (da ONU) tivesse nos pedido para que olhássemos a capacidade do Iraque de produzir armas, nosso trabalho poderia ter sido mais útil. É muito difícil de dizer. Eu gostaria de ter visto maior sensibilidade dos americanos, eles exercitarem mais seu senso crítico.

Existem hoje duas crises em torno de questões nucleares, envolvendo o Irã e a Coréia do Norte. Há semelhanças com o Iraque?

BLIX: São casos muito mais sérios. O Iraque não tinha um programa nuclear. Sobre o Irã, há elementos que justificam a suspeita. Primeiro, eles estavam escondendo o programa. Seria desejável que o Irã contenha sua capacidade de enriquecimento de urânio. Quanto à Coréia do Norte, é provável que ela esteja muito próxima de ter armas, mas não é certo.

Legenda da foto: BLIX EM visita a São Paulo: Irã e Coréia do Norte são casos mais graves