Título: AFASTAR A CRISE
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Fonte: O Globo, 17/06/2005, Opinião, p. 6

Personagem-chave na crise política, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, não tinha condições de continuar no governo. Entende-se o cuidado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em não querer que interpretem o afastamento de auxiliares alvejados por denúncias como um prejulgamento. Mas não havia alternativa: preservar Dirceu na Casa Civil significaria manter a crise na ante-sala presidencial.

Quando a denúncia de corrupção nos Correios atingiu um aliado proeminente do Planalto, o deputado fluminense, presidente do PTB, Roberto Jefferson, o governo ficou na defensiva e agiu para sufocar o pedido de uma comissão parlamentar de inquérito. Não esperava, porém, ser atacado pelo próprio aliado.

Por se sentir um homem-bomba de quem todos se afastavam, Jefferson resolveu explodir dentro da Casa Civil e junto à cúpula do PT. Com isso, a CPI se tornou inevitável e estilhaçou a imagem do ministro, além do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e do presidente do partido, José Genoino - para ficar em personagens do círculo de poder.

Delúbio e Genoino puderam se defender com muito mais liberdade que José Dirceu. Que agora, despido do cargo, volta ao Congresso como deputado, mais como pessoa física do que jurídica, portanto menos tolhido para esgrimir com Roberto Jefferson e a oposição. No discurso de despedida do governo, no final da tarde de ontem, José Dirceu vestiu o uniforme de combate para lutar no Congresso e, como disse, ao lado do PT, país afora, em defesa do governo, contra uma suposta tentativa de desestabilização do presidente Lula e da própria democracia.

Compreende-se que a emoção desses momentos produza arroubos verbais. Se há uma demonstração de que as instituições democráticas estão em pleno funcionamento e não correm qualquer risco, é esta crise: denúncias foram veiculadas pela imprensa, o Congresso se mobilizou e instalou uma comissão parlamentar de inquérito para averiguar o caso, sem prejuízo da atuação, também como estabelece a lei, do Conselho de Ética da Câmara, de uma comissão de sindicância, do Ministério Público e da Polícia Federal.

A própria figura do presidente da República tem sido preservada pelo denunciante-mor, o deputado Roberto Jefferson. A tentativa de desestabilização enxergada por Dirceu não tem o agente desestabilizador, pois o mais poderoso adversário de Lula, o PSDB, também procura manter a Presidência da República afastada do turbilhão. Todos sabem que, ao contrário da crise no governo Collor, o foco de todos os males atuais não é o presidente.

O ministro José Dirceu já deveria ter descido à planície há mais tempo. O fato de ter permanecido numa viagem à Europa que se tornara desnecessária tão logo Roberto Jefferson começou a explodir contribuiu para o Planalto se manter inerte por muito tempo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demorou a agir quando Roberto Jefferson explodiu ao denunciar o mensalão pago pelo PT a parlamentares do PP e PL e confessar ter recebido milhões petistas em dinheiro vivo, um indiscutível crime eleitoral. Mesmo que o alvo prioritário de Jefferson fosse, desde o início, o ministro-chefe da Casa Civil, nas primeiras 24 horas da crise o Planalto preferiu se enganar com a equivocada interpretação de que tudo não ia além de um conflito entre partidos da base aliada.

Em seguida, o governo deu um passo certo ao anunciar o apoio à reforma política, descartada no passado sob pressão de partidos aliados. Faz sentido desengavetar essa reforma porque a crise atual se alimenta de um sistema viciado, em que a figura do político é mais importante que os partidos, em que barganhas fisiológicas ocupam o espaço que deveria ser das idéias e programas de governo. Mas a retomada no Congresso dessa reforma não teria condições de manter a crise afastada do Palácio do Planalto depois que Roberto Jefferson depusesse, a portas abertas, no Conselho de Ética da Câmara. Ao vivo, para todo o país, Jefferson confirmou as denúncias e ficou mais uma vez evidente que Dirceu já não tinha mais nada a fazer no Executivo.

Enfim, o governo agiu para afastar a crise do gabinete presidencial. É provável que, nos próximos dias, ministros com mandato parlamentar tomem o mesmo caminho de José Dirceu, para se dedicarem às escaramuças no Congresso. Podem ajudar na defesa do Planalto e da reforma política.

Para o presidente Lula, o importante agora é blindar de vez o verdadeiro coração do seu governo, a política econômica, e manter o ministro Antonio Palocci afastado definitivamente dessa crise. O país, assim como o presidente, precisa de um final de mandato o mais estável possível. E isso só a manutenção dos rumos na economia pode garantir.

Dirceu mantinha a crise na ante-sala do presidente

A estabilidade política depende mais do que nunca da economia