Título: BRASIL DESENVOLVE E TESTA NOVA VACINA ANTI-AIDS
Autor: Letícia Lins
Fonte: O Globo, 17/06/2005, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 33

Experiência com voluntários em Recife mostra redução significativa de vírus no organismo

RECIFE. Um tratamento desenvolvido por brasileiros e franceses que já se mostrou capaz de reduzir em pelo menos 80% a concentração de vírus no organismo de portadores do HIV começa a ser testado em concentração mais alta a partir de outubro no Brasil. A expectativa é animadora: ampliar ainda mais seu espectro de ação. A substância, uma vacina terapêutica, será aplicada em 40 voluntários - brasileiros e estrangeiros que virão ao país especialmente para o teste.

A vacina terapêutica não previne a doença. Sua função é reforçar a capacidade de defesa do sistema imunológico. Ela é personalizada, elaborada a partir de sangue retirado dos próprios pacientes. A substância é destinada a pessoas infectadas pelo HIV mas que ainda não apresentam os sintomas da Aids e que, por isso, não tomam as drogas do coquetel. Se sua eficácia for comprovada, os pacientes poderão ficar livres do consumo excessivo de remédios, associados a efeitos colaterais.

A primeira etapa do estudo, publicada no fim do ano passado na revista "Nature Medicine", revelou promissores resultados obtidos com a substância desenvolvida no Laboratório Keizo Asami (da Universidade Federal de Pernambuco) e na Universidade Paris V. Assinado pelos brasileiros Luiz Cláudio Arraes e Wylla Tatiana Ferreira e por Jean Marie Andrieu e Wei Lu, o artigo mostrou que a concentração de vírus (carga viral) foi reduzida em pelo menos 80% nos 18 pacientes HIV positivos testados em Recife nos últimos três anos.

- Em oito deles, durante quase dois anos o vírus sequer foi detectado - afirma Luiz Cláudio Arraes, coordenador da pesquisa em Recife.

Em outros, no entanto, após certo tempo a infecção retornou ao seu curso normal. O infectologista informou, porém, que a substância não se revelou tóxica em qualquer voluntário, o que permite, agora, aumentar a dosagem. Para a segunda etapa, a meta é elevar a concentração de 10% para 100%. Os testes serão feitos em Recife. Entre os voluntários há belgas, americanos e franceses. A vacinação é feita em dose única, aplicada na virilha ou na axila.

Consórcio internacional é criado para o teste

Para ampliar e facilitar as investigações nesta segunda etapa foi criado um consórcio internacional envolvendo seis instituições de pesquisa: a UFPE, o Centro de Pesquisas Ageu Magalhães (órgão da Fiocruz em Recife), a Escola Paulista de Medicina, a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Johns Hopkins (EUA).

De acordo com o médico Ernesto Marques Júnior, que representa a Fiocruz e a universidade americana no consórcio, há ainda algumas perguntas a respeito da substância que os especialistas buscarão responder no novo teste. Entre elas, como ocorre o reforço imunológico, quais os mecanismos do sistema de defesa associados ao controle do vírus, que regiões do HIV estão sendo reconhecidas pelo organismo e por que alguns pacientes responderam melhor do que outros à vacina.

Mesmo que tudo dê certo, os especialistas estimam que serão necessários cerca de dez anos para que o produto chegue ao mercado e se torne acessível à população.

Droga reorganiza defesas do organismo

Vacina pode aprimorar política de tratamento da Aids no país

RECIFE. A vacina terapêutica contra o HIV é autóloga, ou seja, obtida a partir do sangue e do vírus retirados dos próprios pacientes. O processo de produção consiste no isolamento do vírus da Aids que geralmente está associado às células dendríticas, responsáveis pela defesa do organismo. A vacina é uma junção desse tipo de célula com o vírus desativado e atua como um reforço imunológico.

Quando as células são reintroduzidas em grandes concentrações nos pacientes, elas reconhecem o HIV, elegem-no como alvo e passam a combatê-lo rapidamente. Os médicos Luiz Cláudio Arraes e Ernesto Marques Júnior recorrem a uma metáfora para traduzir o mecanismo observado:

- No paciente HIV positivo, o sistema imunológico não chega a ficar desativado, mas funciona de forma desorganizada. Vamos compará-lo a uma batalha, em que os soldados agem sem um estrategista, sem um general, sem saber os campos específicos onde a tropa deve atuar. Quando o vírus é reintroduzido no corpo humano através das células dendríticas, é como se o comando fosse restaurado, a tropa reorganizada, o inimigo certo escolhido e, por esse motivo, mais bem combatido. A célula é o general da tropa.

Para o diretor da Fiocruz em Recife, Rômulo Maciel Filho, o avanço da pesquisa com a vacina terapêutica pode conduzir a uma mudança completa na política de controle da Aids no país. A preocupação da Fiocruz e das demais instituições, segundo ele, é chegar a um modelo próprio de produção e aplicação da substância.

Legenda da foto: OS CIENTISTAS Luiz Cláudio Arraes e Ernesto Marques Júnior trabalham no laboratório: novo teste em outubro