Título: Atraso para não machucar
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 18/06/2005, O Globo, p. 2

O novo Gabinete Civil do presidente Lula terá natureza mais administrativa, ainda que não se confirme a escolha da ministra das Minas e Energia, Dilma Roussef, o que só acontecerá, segundo fontes palacianas, se não for encontrado um bom nome para substituí-la. Mas o perfil está dado. Agora virão outras mudanças, embora não devam ser tão abrangentes como se tem falado.

Enquanto é tempo, vale o registro dos movimentos erráticos que precederam a saída do ex-ministro José Dirceu, importantes para se compreender o processo decisório do presidente e a dinâmicas das relações internas do PT.

Lula não acompanhou o depoimento de Roberto Jefferson ao vivo, na terça-feira, mas não por alheamento ou subestimação. Levou uma fita gravada para casa. Queria vê-lo à noite e fazer uma avaliação solitária. No dia seguinte voltou ao Planalto cuspindo marimbondos, como diz um auxiliar, com o comportamento deplorável do PT, cujos líderes optaram pela ausência no depoimento. Jefferson deu seu show com eficiência, mesmo incorrendo em falhas, espancou o governo e o PT sem enfrentar a menor reação. Convenceu-se de que saída de Dirceu, combinada desde domingo, precisava ser logo executada. Mais que uma conveniência, para mostrar reação do governo, era uma necessidade.

E por que a decisão tomada no domingo não se materializara ainda? Por uma série de idas e vindas típicas das relações petistas. Na segunda-feira, na reunião de coordenação, Lula nada disse aos ministros sobre a conversa de domingo com Dirceu e Genoino. Abordado por um deles, que já conversara com Dirceu, foi aconselhado a agir antes do depoimento de Jefferson. Mas Dirceu chegara irritado com o noticiário sobre sua saída, associada à segunda entrevista de Jefferson. Não sairia como suspeito de comandar o suposto esquema do mensalão. Lula deu um tempo. Foi um erro. Jefferson não teria podido fazer o repto provocador do dia seguinte: "Saia logo, Zé, para não fazer réu um homem inocente". No dia seguinte, a ressaca. A saída não poderia parecer sujeição ao depoente-acusador. Os ministros petistas se dividiram em duas linhas. Uns defendiam a não-saída e uma vigorosa ação para desmoralizar as denúncias (na mesma linha estava Aldo Rebelo). Outros atuavam para que a saída não fosse mais retardada.

Lula e Dirceu conversaram rapidamente na noite de quarta-feira, marcaram um café da manhã que acabou não acontecendo. Mas Dirceu chegou dizendo o "não dá mais". Foram juntos à cerimônia e depois a um dos eventos mais preservados deste episódio: um almoço reunindo Lula, boa parte dos ministros petistas, os líderes Paulo Rocha e Arlindo Chinaglia e Marco Aurélio Garcia. Foi quando Lula e Dirceu anunciaram a decisão e a estratégia de fortalecer o combate na planície. Mas ainda se falou ali na saída de outros três ministros (Aldo, Eduardo Campos e Berzoini). Isso não ocorreu em parte para destacar a singularidade de Dirceu, com a saída cheia de carga dramática. Jaques Wagner atuaria na última hora chamando ao Palácio, para o último ato, o maior número de petistas e ministros.

Complicadas as relações petistas, decorrentes da cultura assembleísta da esquerda e do temperamento de Lula, que prefere suavizar decisões dolorosas. Mas mesmo que Dirceu vacilasse, iria em frente.

Agora virão outros momentos difíceis, como dispensar Aldo Rebelo, que tanto aprecia. Mas está disposto a acabar com o Ministério da Coordenação Política, mesmo optando por um Gabinete Civil administrativo, e encontrar outro modelo de relacionamento com o Legislativo.