Título: Flores da crise
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 19/06/2005, O País, p. 2
Muitas coisas fazem sentido no arsenal de denúncias e precisam ser esclarecidas. Mas sem teoria conspiratória, são estranhas as revelações tardias dos que silenciaram durante muito tempo e as acusações seguidas de desmentidos. Por exemplo, a de que o PPS teria recebido duas vezes do PT a oferta de R$4 milhões para apoiar Marta Suplicy. O partido nada contou na época e, feita a revelação, foi logo desmentida. Mas a espuma ficou.
A partir de terça-feira, com o efetivo início dos trabalhos da CPI, a floração de denúncias deve dar lugar às investigações. Para que tenham êxito, não é fundamental, como se tem dito, que a oposição tenha o relator ou o presidente. Era politicamente conveniente, para o próprio governo, que negociasse sua composição, livrando-a do rótulo de chapa branca, que alimentará na opinião pública a suspeita de que esteja no forno uma pizza. O governo fez outra escolha, mas o fato de ter os dois cargos não compromete previamente a apuração.
CPIs não nascem prontas, são produzidas por cada sessão, cada depoimento, cada sigilo quebrado, cada diligência. Ganham dinâmica própria e o que elas descobrem não há governo que segure. A reserva de um dos cargos para a minoria é saudável, mas não tem sido uma tradição. Nos oito anos do governo passado, as poucas CPIs que chegaram a funcionar tiveram sempre os dois postos ocupados pelos dois maiores partidos. Apenas a da Nike, no governo passado, teve um presidente de oposição, Aldo Rebelo. E isso porque Inocêncio Oliveira, candidato a presidente da Câmara, estava cortejando os eleitores do PCdoB. O PT, que era oposição, nunca teve relatoria ou presidência. Mas seus representantes sempre tiveram atuação destacada. Foi o caso de Dirceu e Mercadante nas do esquema PC e dos anões do Orçamento. Tucanos e pefelistas têm bons quadros e estão, como o PT no passado, com gosto de sangue na boca. Terão acesso a documentos, vazarão informações sigilosas, farão tudo o que fazia o PT.
O que realmente pode perturbar o início dos trabalhos é uma das denúncias flutuantes dos últimos dias. A de que o presidente da CPI, o senador petista Delcídio Amaral, quando diretor da Petrobras no governo FH, fez contratos que deram prejuízo à empresa. Foi publicada na quinta-feira pelo jornal "O Estado de S. Paulo". Na sexta-feira o senador exigiu, da tribuna do Senado, a demissão do diretor Ildo Sauer, apontando-o como fonte não identificada da reportagem. Vingança porque teria pedido sua demissão. O presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, não o atendeu, depois de ouvir garantias de Sauer de que não fizera a denúncia. Mas seja quem for o denunciante, esteve calado este tempo todo. Surfou na crise.
Na sexta-feira Delcídio avisou que, sem o desagravo da demissão, poderia deixar a presidência da CPI. Seria um transtorno. O PT chegou a cogitar o que faria: lançar mão de seu pilar na Casa, o líder do governo, Aloizio Mercadante.
Na floração de denúncias, até mesmo a deputada Denise Frossard, ex-juíza de grandes méritos, disse ter ouvido que o PT tentara comprar o apoio do PPS paulistano. Ouviu até que o dinheiro da mala preta viria de uma conta no Trade Link Bank de Miami. Com todo respeito pela deputada, devia ter falado na época. Mas o presidente do PPS de São Paulo, Carlos Eduardo Fernandes, afirmou depois em nota oficial que nunca recebeu tais propostas. O partido discutiu apenas projetos para a cidade de São Paulo, tanto com o PT como com o PSDB. Optou pelo último.
Outro exemplo, as declarações da ex-secretária do publicitário Marcos Valério à revista "IstoÉ Dinheiro", de que vira o chefe sair com malas de dinheiro. Horas depois, negou tudo à Polícia Federal.
O suposto mensalão, os negócios suspeitos nos Correios, no IRB e em outros órgãos, tudo precisa ser investigado. Mas é esquisito o repentino despertar de memórias adormecidas, a jogar água no moinho da crise.
Um dos temores de Dirceu ao deixar o governo era o de que ganhem força os que defendem uma aproximação com o PSDB. Por isso as farpas contra Gushiken na sexta-feira.
Segundo tempo
Começa esta semana um novo governo Lula, agora sem Dirceu. Amanhã mesmo Lula pretende anunciar o nome do novo ocupante da Casa Civil, que, salvo mudanças durante o final de semana, será a ministra Dilma Rousseff. Não importa sua inexperiência parlamentar e mesmo os atritos que teve com os partidos. Se confirmada, Dilma terá apenas funções executivas. Mandar ela sabe. Lula quer também alguém mais discreto, voltado para dentro do governo.
O ministro Aldo já sabe que deixará o cargo e que sua pasta deve ser extinta, embora de Lula só tenha recebido indiretas. Na quinta-feira, em conversa com outros ministros sobre a saída de Dirceu, Lula lhe disse:
- Eu me lembro, Aldo, de como você defendia o governo com garra na Câmara, quando era líder do governo. Precisamos de gente como você lá.
Extinta a pasta, Lula pensa em deixar a articulação com os aliados a cargo do líder do governo (na verdade com Dirceu, embora sem cargo). No Palácio, terá um auxiliar (que pode ser o ministro Jaques Wagner) fazendo a interface com o líder e os partidos aliados.
Não se deve esperar reforma tão vasta como chegou a ser dito. E muito menos celeridade nos entendimentos com o PMDB, preliminar para a mudança maior. A ala oposicionista não quer conversa; Renan e Sarney ganham tempo.