Título: GÁS BRASILEIRO
Autor:
Fonte: O Globo, 19/06/2005, Opinião, p. 6
A crise político-institucional na Bolívia caiu como uma ducha fria sobre os bem intencionados planos do Brasil, e outros vizinhos, de integrar cada vez mais a infra-estrutura na América do Sul. O governo brasileiro incentivou o uso de gás natural nos últimos anos, criando inclusive um programa de construção de usinas termoelétricas, que deveriam funcionar como estabilizadoras do sistema interligado. O país apostou firme nessa integração, a ponto de nem elaborar previamente um plano de contingenciamento do uso do gás para situações de emergência.
Mas depois do que aconteceu na Bolívia ficou claro que o Brasil não pode aumentar essa dependência, embora não seja necessário voltar atrás dos passos dados até aqui.
O Brasil deve agora intensificar investimentos em exploração que possam redundar em aumento substancial na produção de gás nos próximos anos. Vários campos podem ser desenvolvidos no Rio de Janeiro, no Espírito Santo, na Bahia, no Amazonas e em São Paulo, desde que se ampliem a rede de dutos e o número de unidades de processamento, além de atrair novos investidores para esse segmento.
A legislação e os atos regulatórios foram mais direcionados para o petróleo, pois a produção brasileira de gás natural não era tão relevante. Agora será preciso ter um arcabouço jurídico sólido, com regras claras e definidas, para estimular a oferta nacional e uma demanda mais racional do gás, priorizando o consumo onde seja maior o seu aproveitamento energético (cogeração de eletricidade e vapor, por exemplo).
Por outro lado, é importante que se diversifiquem as fontes de suprimento, seja no próprio caso do gás (com a inclusão do Peru nessa rede de abastecimento), seja no uso de fontes alternativas de energia, como biomassa, eólica e solar.
E para ganhar tempo, o governo deveria o quanto antes retomar as obras de conclusão da usina nuclear Angra 3. Se havia ainda dúvidas sobre a essencialidade e a conveniência de se retomar esse projeto, elas foram dissipadas diante da vulnerabilidade a que o Brasil ficou exposto com a crise política na Bolívia. A geração termonuclear não depende de insumos importados.
Crise na Bolívia torna Angra 3 irreversível