Título: VARIG GANHA TEMPO NA JUSTIÇA
Autor: Érica Ribeiro
Fonte: O Globo, 18/06/2005, Economia, p. 27
Empresa evita retomada de aviões e é a primeira grande a recorrer à nova Lei de Falências
A Varig entrou ontem com um pedido de recuperação judicial, com base na Lei de Recuperação de Empresas (conhecida como a nova Lei de Falências), na 8ª Vara Empresarial da Justiça do Rio. O pedido será julgado na semana que vem, mas os executivos da Varig dão como certo que seja aceito. Tanto assim que já fazem planos dentro do prazo de 180 dias que a nova lei dá às empresas em recuperação, uma espécie de blindagem, que impede qualquer credor de pedir a falência da companhia. Dentro desses 180 dias, a Varig terá dois meses para apresentar um plano de reestruturação aos credores e à Justiça, explicando o que fará para voltar a ser financeiramente saudável. Caso não cumpra o que foi estipulado e aprovado pelos credores, a empresa será extinta. A Varig é a primeira grande empresa brasileira a entrar com um pedido de recuperação judicial.
Ontem, a Varig obteve uma vitória na batalha com as empresas de leasing de aviões, impedindo, por meio de liminares na 8ª Vara Empresarial da Justiça do Rio e no 2º Distrito de Nova York, a retomada de aeronaves pela empresa IFLC, no Rio e nos Estados Unidos. O advogado Sérgio Bermudes, que participa do processo de recuperação da Varig, explicou ontem que as liminares podem ser cassadas a qualquer momento, mesmo com a proteção da Lei de Recuperação Judicial.
O presidente do Conselho de Administração da Varig, David Zylberstajn, disse que está otimista quanto ao processo de recuperação judicial, mas admitiu que o plano a ser apresentado aos credores e à Justiça terá que começar a ser elaborado do zero para que possa ser executado. Zylberstajn sabe que depende do governo - maior credor da Varig, com 65% da dívida total da companhia - para que o plano dê certo.
- O governo é o principal credor e tem cooperado muito para encontrar uma solução para a Varig. Evidentemente, é uma decisão empresarial e o governo como poder concedente tem interesse na manutenção da empresa pelo que ela representa dentro e fora do país. Tiramos o retrovisor da Varig e agora só olhamos o futuro - afirmou Zylberstajn.
Medida facilitaria entrada de investidores
Zylberstajn disse que o tempo hoje é o maior inimigo da companhia e que todas as tentativas de solução esbarraram nesse fator, o que determinou a entrada da empresa na lei de recuperação judicial, já que a vantagem da lei, diz ele, é dar tempo à companhia:
- Tentamos curar a Varig de várias formas. Procuramos uma associação com a TAP, fomos conversar com o governo, a BR Distribuidora, a Infraero, o Banco do Brasil, discutimos o encontro de contas, tivemos a cooperação do governo, mas a morosidade na solução dos problemas inviabilizou isso a curto prazo. Todos os processos avançaram mas o tempo passou a ser nosso maior inimigo. Estamos tratando hoje (ontem) de um novo momento onde a Varig, amparada por um instrumento legal, poderá encontrar uma solução. Queremos virar um problema para a concorrência e não uma problemática - disse Zylberstajn.
O plano, segundo ele, não interfere na gestão e na administração da companhia, apesar de prever a participação de um administrador judicial, que acompanhará de perto os passos da empresa. As operações de pousos e decolagens, os serviços para passageiros e o programa de milhagem Smiles não sofrerão qualquer alteração o plano de recuperação.
Para Zylberstajn, a entrada na Varig no plano de recuperação judicial tornará mais fácil o ingresso de investidores na companhia, já que a operação fica separada do processo de recuperação. Ele disse que a TAP continua mantendo interesse em negociar. Para ele, dificilmente a Varig voltará a ter no fim do processo de recuperação um único dono com maioria do capital, como acontece hoje com a Fundação Ruben Berta (FRB), controladora da Varig com 87% das ações. A possibilidade é de que as ações sejam pulverizadas entre diferentes investidores. Pela lei, quem investir na Varig é protegido e não fica sujeito à recuperação da empresa. Em caso de falência, o investidor é o primeiro a receber.
O Conselho de Administração da Varig e a FRB discutem, paralelamente ao plano de recuperação, a transferência de controle da empresa para o Conselho de Administração. Negociação que, segundo Zylberstajn, deverá se resolver na próxima semana. Segundo ele, o objetivo não é afastar a fundação da companhia e sim garantir mecanismos para que, ao fim do processo, a FRB não mude de posição.
Para o analista Marcelo Ribeiro, da Corretora Pentágono, não havia mais alternativa para a Varig, depois das tentativas frustradas de negociar com a BR Distribuidora, a Infraero e o Banco do Brasil e, paralelamente, elaborar um plano com a TAP para captação de investidores, que em pouco mais de um mês não teve qualquer avanço. Mesmo assim, segundo ele, qualquer solução para a empresa hoje passa por uma decisão política.
- Como o governo é o maior credor, caberá a ele decidir o que vai acontecer com a Varig, já que o plano deve ser aceito pelos credores. Se a lei de recuperação judicial tivesse vindo antes a Varig não teria se deteriorado tanto - diz o analista.
Ontem, diante do pedido de recuperação judicial, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) decidiu suspender as negociações com ações da Varig, aguardando esclarecimentos da operação. Até a interrupção dos negócios, às 14h35, os papéis registravam queda de 0,5%. Próximo ao encerramento do pregão, a companhia enviou à Bovespa um fato relevante detalhando o requerimento de recuperação judicial.
O que mudou na legislação
ANTES DA LEI DE FALÊNCIAS: A Varig não podia pedir concordata, uma espécie de recuperação judicial. As únicas alternativas previstas no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), que trata do setor aéreo, são a intervenção do governo federal para garantir a continuidade da prestação do serviço, liquidação extrajudicial ou falência. Como a intervenção foi descartada pelo governo e a liquidação extrajudicial não foi regulamentada, a Varig estava fadada a fechar as portas. No processo de falências, seria indicado um liquidante da massa falida, responsável pelo levantamento dos ativos e pagamento dos credores.
DEPOIS DA LEI DE FALÊNCIAS: Com a inclusão do artigo 199 na Lei de Falências, a Varig, bem como outras empresas do setor aéreo em dificuldades financeiras, passaram a ter o direito de buscar uma recuperação para evitar a falência. Com isso, elas podem pedir a recuperação judicial ou extrajudicial. A partir de agora, com a obtenção da liminar, todas as cobranças de dívidas da Varig ficam suspensas por seis meses - com exceção das execuções fiscais - e a companhia tem um prazo de 60 dias para apresentar um prazo de trabalho, que precisa ser homologado pela Justiça. Esse plano também precisa ser factível e ter o apoio dos credores, que podem questioná-lo judicialmente. Durante o processo, será nomeado um administrador judicial e criado um comitê de credores, nomeado pela assembléia-geral de credores, que vão fiscalizar o trabalho. É a própria empresa que executa o plano. O prazo máximo de recuperação é dois anos. Caso a Justiça não aprove a proposta de recuperação apresentada, a empresa pode ter a falência decretada imediatamente.