Título: TESE AJUDARÁ A DEFENDER ALLENDE DE ACUSAÇÕES
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 19/06/2005, O Mundo, p. 37
BUENOS AIRES. No próximo dia 1º de julho, a Fundação Salvador Allende lançará o livro "Higiene mental e delinqüência", tese de doutorado do presidente chileno derrubado pelo golpe de Estado de 1973. Por que divulgar um documento até hoje inédito entre os chilenos? Para que "o próprio Allende (que morreu em 11 de setembro de 1973, em meio ao bombardeio do Palácio de la Moneda) desminta as falsas versões sobre sua personalidade divulgadas por Victor Farías", afirmou ao GLOBO o vice-presidente da fundação, o espanhol Victor Pey, por telefone, de Santiago.
A reação dos amigos e ex-colaboradores de Allende, como Pey, era esperada, dadas as gravíssimas acusações feitas pelo historiador chileno, que em março passado publicou o livro "Salvador Allende: anti-semitismo e eutanásia", no qual acusa um dos grandes ícones da esquerda latino-americana de ter sido anti-semita, racista, defensor da eutanásia e de esterilizações forçadas.
- Farías faz acusações com base numa tese que não era conhecida, por isso vamos publicar o documento. O que ele faz, de forma muito grosseira, é colocar como pensamentos de Allende o que Allende menciona como pensamentos de outros acadêmicos da época. O próprio Allende afirma que tais teorias ou pensamentos não haviam sido comprovados, mas essa parte é ocultada por Farías - explicou Pey, de 89 anos, que está organizando o lançamento da tese original de Allende na Biblioteca Nacional do Chile.
Para vice-reitor, Allende apenas citou contemporâneos
Este espanhol que chegou ao Chile em 1939, após a Guerra Civil espanhola, foi um dos amigos mais próximos de Allende e hoje faz questão de defender a imagem do líder socialista, vítima do golpe de Estado orquestrado pelo ex-ditador Augusto Pinochet, que ficou no poder de 1973 a 1990.
- Não posso questionar a qualidade de Farías como filósofo, mas como historiador comete sérios e gravíssimos erros. É difícil acreditar que sejam erros involuntários - comentou Pey, questionando as verdadeiras intenções do historiador chileno que provocou a ira de familiares e amigos de Allende.
A dissertação do presidente chileno foi escrita em 1933. Num dos trechos reproduzido no livro de Farías, Allende afirma que a homossexualidade é uma doença passível de ser curada com o implante de tecidos de testículos no abdômen.
Em artigo publicado recentemente, o vice-reitor da Universidade de Valência, na Espanha, Juan Carlos Carbonell Mateu, explica que, no caso da homossexualidade, "Allende recolhe, como era sua obrigação, os trabalhos que naquele momento eram publicados".
Pey: "Ele faz difamação sem qualquer sustento real"
Para Pey, "dizer que Allende era anti-semita é disparatado". No polêmico livro, Farías questiona a inação do então presidente chileno em relação ao criminoso nazista Walter Rauff, cuja extradição foi negada pelo Supremo Tribunal de Justiça do Chile.
- Tenho em minhas mãos um documento do Centro Simon Wiesenthal, no qual o próprio Simon Wiesenthal agradece a Allende o esforço para explicar por que, sendo presidente da República, não podia modificar uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça - argumentou Pey, que considera absurdas as denúncias feitas por Farías sobre o suposto vínculo de Allende com capitais nazistas.
Para ele, "Farías não faz história", e sim difamação "sem qualquer sustento real".
- Como alguém pode pensar que Allende era anti-semita quando sua mãe era judia - enfatizou o amigo pessoal do presidente chileno. - Não podemos esquecer que se trata de uma tese de doutorado, ele, como médico, tinha a obrigação de referir-se a trabalhos que estavam sendo discutidos na época.
E completa:
- Allende era um homem cordial, afetuoso, humano. Ele teve uma longa vida parlamentar e era um homem respeitado por todos.