Título: NOVAS REGRAS DA ANATEL VOLTADAS PARA CLIENTES
Autor: Nadja Sampaio
Fonte: O Globo, 19/06/2005, Economia, p. 34

Entidades de defesa do consumidor comemoram a disposição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de fazer mudanças internas para transformar o consumidor em seu objetivo principal. Até meados do segundo semestre, a telefonia fixa terá novas regras que privilegiam o usuário e a fiscalização. Para o diretor do Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), Ricardo Morishita, a atividade regulatória tem que levar em conta o princípio do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que reconhece a vulnerabilidade do consumidor.

Os atuais contratos de concessão para a telefonia fixa estarão em vigor até 31 de dezembro de 2005. Até lá, o setor terá que preparar novas regras. As empresas que estão operando atualmente poderão pedir renovação da concessão e o novo contrato terá duração de 20 anos.

Novas regras têm o objetivo de aumentar competitividade

Os novos contratos terão regras que visam ao aumento da concorrência entre as empresas, como, por exemplo, a portabilidade numérica, que permite ao usuário manter o mesmo número de telefone na troca de uma operadora por outra. Com relação à tarifação, os usuários vão deixar de pagar por pulso e passarão a ser cobrados por minuto; nos horários de tarifa reduzida em que se cobrava um pulso, a cobrança passará a ser por chamada; os reajustes de tarifas passarão a ser feitos por um índice específico do setor e não mais pelo IGP-DI e a concessionária será obrigada a fornecer, mediante solicitação do assinante, fatura que permita identificar para cada chamada o número do telefone chamado, a data e horário de realização, a duração e o seu respectivo valor.

Nesta segunda etapa, a Anatel pretende adotar novas regras que privilegiem o usuário e quer aproximar suas exigências ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Uma das novas medidas - que ainda passarão por consulta pública - vai obrigar a empresa que enviar fatura indevida a devolver o valor da conta em dobro ao consumidor. E será a empresa que terá de comprovar que o usuário está errado. Esta regra será muito benéfica já que problemas com cobrança são dos que mais afligem o consumidor. Das 39.760 reclamações registradas nesta seção em dois anos, 9.081 (22,8%) são sobre telefonia, e destas, 1.490 (16,4%) são de queixas sobre cobrança indevida. A devolução em dobro é um direito consagrado no CDC, no entanto, atualmente, para o consumidor ter o direito garantido, ele precisa entrar na Justiça.

Outra mudança importante será a proibição expressa de venda casada de produtos para o usuário. A Anatel também pretende exigir que a taxa para transferência do endereço de uma linha seja a mesma que é cobrada para os telefones novos.

Entidades têm restrições para impor sanções administrativas

Para Ricardo Morishita, cumprir o CDC é uma obrigação prevista no artigo 170 da Constituição Federal e o respeito ao Código beneficia a todos:

- O país ganha com este patamar de respeitabilidade. É muito positivo que a regulação contemple o CDC, pois é uma lei que já está incorporada na sociedade.

Na opinião de Evandro Zuliani, assessor técnico do Procon de São Paulo, o discurso de que a agência reguladora tem que proteger o mercado é correto, porém a visão de como fazer isso está errada:

- O sistema econômico não existe sem o consumidor. É preciso protegê-lo. Não é possível ter uma corrente forte sem esse elo. Mas o que vemos é que privatizaram o sistema e estatizaram os problemas. Houve aumento do acesso à telefonia, porém os serviços prestados deixam muito a desejar. No Procon, 39% do total de atendimento é sobre telefonia e das dez empresas com mais reclamações em 2004, quatro são desta área.

Para Zuliani, é imprescindível que a Anatel tenha um trabalho mais preventivo com as operadoras, pois, como se trata de monopólios, as entidades de defesa do consumidor têm restrições para impor sanções:

- Podemos multar as empresas, mas se elas continuam descumprindo, não temos como impingir a sanção de suspender o serviço, pois prejudicaríamos a todos. Esperamos que a Anatel coloque realmente em prática todas as mudanças que estão sendo estudadas.

Marcos Pó, gerente de informações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), considera que fazer com que as empresas cumpram a lei significa um atraso de oito anos, pois quando a privatização foi realizada, o CDC já estava em vigor.

- Na avaliação que o Idec fez das agências regulatórias, a Anatel foi considerada a pior no atendimento às reclamações dos consumidores. O fato de ela se propor a mudar e estar mais perto do consumidor é animador. As agências devem trabalhar em consonância com os órgãos que fazem parte do sistema nacional de defesa do consumidor.

Competitividade só virá quando acabar monopólios

Os novos contratos de concessão e os impactos gerados por eles serão discutidos no seminário "Política em Telecomunicação: desafios presentes e futuros", que acontece na próxima terça-feira em São Paulo. A Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp), que reúne operadoras como GVT, Vésper, Embratel, Intelig, entre outras, encomendou estudos sobre o nível de competição na telefonia fixa em outros países, buscando detectar medidas internacionais que tiveram um impacto positivo para a concorrência. Na opinião de Luiz Cuza, presidente da Telcomp, é preciso acabar com o monopólio. No Brasil, as concessionárias fixas Telefônica, Telemar e Brasil Telecom têm mais de 94% do mercado em suas respectivas áreas de atuação.

- A Anatel precisa não só fazer regras. É preciso assegurar seu cumprimento. Para isso é preciso ter um cronograma e fiscalização forte. Somente assim haverá sinalização para que investidores estrangeiros se interessem pelo Brasil. Na privatização, as empresas espelhos não conseguiram competir, as regras não foram cumpridas. E somente com contratos cumpridos teremos competitividade.