Título: BUSCA DE LEGITIMIDADE NO IRÃ
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 18/06/2005, O Mundo, p. 34

Governo estende votação para aumentar comparecimento às urnas; 2º turno é provável

Milhões de iranianos votaram ontem num clima de tranqüilidade, mas, ao mesmo tempo, de aparente apatia. A votação, que oficialmente terminaria às 19h, acabou sendo estendida em algumas cidades "inclusive nesta capital" até as 23h. Era uma clara estratégia do governo para obter, em cima da hora, um índice de votação acima dos 50% para legitimar o regime. A desculpa oficial era que o calor de 40 graus, com sol a pino, desestimulava o deslocamento das pessoas. Houve um comparecimento razoável nas primeiras horas da manhã, seguido de longos períodos de muito pouca atividade. No início da noite, as filas voltaram a ser incrementadas.

Não havia aglomerações nas mesas eleitorais, muitas instaladas em mesquitas - homens de um lado, mulheres e crianças de outro. As filas eram pequenas, dando margem à suspeita de que os proponentes de um boicote como forma de protesto contra o regime tinham conquistado um bom índice de adeptos. Como no Irã não se faz pesquisa de boca-de-urna, era impossível saber qual a porcentagem de eleitores que havia votado. Pelo mesmo motivo não se tinha uma idéia sobre o índice de preferência, mas assessores dos dois principais candidatos, o reformista Mostafa Moin e o conservador moderado Ali Akhbar Hashemi Rafsanjani, disseram que eles iriam para o segundo turno.

- Prometi continuar as reformas e estou certo de que posso cumprir minhas promessas - disse Rafsanjani ao sair de sua seção eleitoral.

Bloqueio às TVs estrangeiras

Dos que votaram por votar ouvia-se uma mesma pergunta: quem, afinal, de fato terá o controle do governo? Ela tinha cabimento, já que a lei islâmica implantada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini criou a figura do líder supremo, cujo cargo não está sujeito a eleições: é vitalício, a menos que haja incapacidade física ou mental.

- O problema é que enquanto o ocupante desse cargo tiver o poder divino sobre nós, o Irã continuará dando um passo para frente e dois para trás - disse o mecânico de aviação Reza.

O reformista Moin adotou discurso conformista em relação ao pleito:

- Pode não ser uma eleição ideal para nós, mas o básico está aí - resignou-se no QG da campanha.

Em vários lugares de votação em Teerã, tanto na área rica quanto nos bairros pobres, era grande o número de mulheres. A maioria das consultadas dizia ter votado em Moin ou Rafsanjani.

- Moin nos dá a esperança de, por fim, neutralizar o ultra-conservadorismo do regime, que se intromete nas nossas vidas sem nos dar nada em troca - disse a universitária Nabila.

O arquiteto Ali afirmou ter preferido Rafsanjani:

- É o único com experiência, além de coragem e um histórico revolucionário (era o braço direito de Khomeini) para colocar Ali Khamenei contra a parede - raciocinou ele, referindo-se ao líder supremo, que, através de um suposto poder divino, tem a última palavra sobre todas as questões, sejam elas sociais, políticas ou econômicas.

Nas zonas pobres, o apoio ao ex-chefe de polícia Mohammad Bager Qalibaf, um fundamentalista religioso, era claro:

- Está na hora de termos um presidente que tome providências para acabar com os abusos que temos visto em nossas ruas - disse o sapateiro Moshen, referindo-se ao fato de que a maioria das mulheres já não usa o chador, vestimenta negra que a cobre da cabeça aos pés.

O resultado deverá ser conhecido hoje. A estimativa generalizada era que nenhum dos sete candidatos obteria os 50% de votos necessários para garantir a vitória. Se isso se confirmar, os dois mais votados disputarão o segundo turno no dia 24 ou em 1º de julho. Para o analista político Ali Ghezebash, o debate público sobre a situação do país nas últimas semana era um evidente sinal de boa saúde política.

- É preferível termos uma democracia imperfeita a nenhuma democracia. Aos poucos, o Irã vai amadurecendo e chegará o dia em que teremos um sistema mais adequado às reivindicações o povo - disse.

Nos bairros de classe média, reclamava-se de que há dois dias não estavam conseguindo captar estações de TV estrangeiras via satélite. Os guardiães tecnológicos do governo estavam interferindo eletronicamente, sob o argumento de que o "Grande Satã" - leia-se: os Estados Unidos - vinha enviando mensagens sugerindo o boicote à eleição para roubar legitimidade ao regime.

O uso de antenas para captação de estação de rádio e TV está proibido no Irã. No entanto, elas são cada dia mais freqüentes na paisagem das cidades, adquiridas por meio de contrabando. Mas a polícia tem feito vista grossa a esse fenômeno.