Título: URGÊNCIA NO PLEBISCITO PARA O DESARMAMENTO!
Autor: JORGE WERTHEIN
Fonte: O Globo, 20/06/2005, Opinião, p. 7

O perigo das armas está entrando pela porta da frente das escolas brasileiras, levando medo e insegurança a alunos, professores, diretores e funcionários. Pesquisa da Unesco ("Cotidiano das Escolas: Entre Violências"), realizada em escolas públicas de cinco capitais brasileiras (Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Porto Alegre e Belém), além do Distrito Federal, revela a extensão do porte e do uso de armas no ambiente escolar e como tais violências passaram a integrar o dia-a-dia das escolas. De cada três alunos, um já viu armas circulando na escola. Quase 35% dos alunos (585 mil estudantes) e 29% dos professores entrevistados disseram que viram armas.

As armas de fogo têm expressiva representação no ambiente escolar: 12%, ou seja, 204.696 alunos, já viram revólver na escola. Do total de estudantes pesquisados, 2,5% (41.771 alunos) disseram que já carregaram canivetes na escola. E 1% indica que já entrou com revólver. Essa proporção ganha uma dimensão assustadora quando se traduz para números absolutos: são quase 20 mil adolescentes e jovens armados com revólveres.

Os números são preocupantes por dois motivos. Primeiro porque revelam os riscos a que estão sujeitos adolescentes, jovens e membros do corpo técnico-pedagógico. Quando existem pessoas armadas circulando no espaço escolar, qualquer discussão banal ou briga pode resultar em violências extremas, tais como ferimentos e mortes. A imposição da força e do poder de quem porta a arma acaba se sobrepondo ao necessário diálogo na solução dos conflitos dentro do ambiente escolar.

Outro motivo de grande preocupação é que a presença de armas nas escolas prejudica a qualidade do ensino. Se estudantes e professores sentem-se ameaçados, é impossível se criar o ambiente propício ao ensino e ao aprendizado. Em um clima hostil e de ameaça, não há professor que possa ensinar bem, que queira ir à escola, e não há aluno que possa aprender bem e concentrar-se nas aulas. A violência no ambiente escolar contribui, portanto, para o mau desempenho estudantil, a repetência e a evasão, além da desvalorização da escola.

Se a presença de armas no ambiente escolar está aumentando a violência e prejudicando a educação, é preciso então que toda a sociedade - principalmente a Escola - reflita sobre as causas e conseqüências do problema, adotando providências para mudar essa realidade. Em primeiro lugar, é importante encarar a situação de frente. De nada adianta manter a "política de avestruz", fingir que o problema não existe. Também não é solução propor medidas repressivas nem instalar detectores de metais nas escolas. A saída deve passar pela criação de espaços de diálogo e mediação de conflitos dentro da própria escola, nos quais os jovens atuem como mediadores. A abertura de estabelecimentos de ensino nos finais de semana para atividades de esporte, lazer e cultura também se tem mostrado eficaz na redução da violência no ambiente escolar e no seu entorno.

Mas a quantidade de armas nas escolas só diminuirá se houver um trabalho de prevenção nos lares. Adolescentes e jovens que encontram armas disponíveis em casa tendem a utilizá-las para se defender e a ver como normal o seu porte e uso. Já em 2002, na pesquisa "Violências nas Escolas", a Unesco detectou que entre um terço e um quinto dos estudantes têm contato com armas de fogo na esfera familiar. Tal situação variava entre 32% em Porto Alegre e 18% em Belém. E são os próprios jovens as maiores vítimas dos homicídios por armas de fogo no Brasil.

Faz-se necessário ainda restringir a circulação de armas de fogo no Brasil. Um passo importante foi dado com a Campanha Nacional de Desarmamento, implementada pelo Ministério da Justiça em parceria com a sociedade civil. A entrega voluntária de armas ajudou a diminuir o número de armas nos domicílios e nas ruas, contribuindo para a redução da violência em algumas cidades. Agora, é chegada a hora de pôr em prática o referendo popular sobre a proibição do comércio de armas de fogo no país. Que a população diga "sim" em favor da paz.

Outra medida fundamental é aumentar os investimentos em educação de forma a permitir o financiamento de programas sociais, educacionais e de segurança nas escolas. Um bom caminho para isso é a aprovação do Fundeb, fundo destinado a financiar a educação básica, reduzindo as disparidades entre estados e municípios. Os investimentos no fortalecimento da escola, na qualidade da educação e na promoção de uma cultura de paz devem ser priorizados. Uma escola apoiada, protegida e valorizada adquire força e condições para proteger melhor nossas crianças e jovens.

JORGE WERTHEIN é representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil.

Em cinco capitais, 12% dos alunos da rede pública já viram revólver dentro da escola