Título: JUROS NA MARCA DE R$1 TRI
Autor: Enio Vieira
Fonte: O Globo, 20/06/2005, Economia, p. 15

Despesas com encargos da dívida desde 1994 são equivalentes ao PIB de 2001

O Brasil caminha para atingir, em outubro deste ano, a marca de R$1 trilhão de juros da dívida pública pagos desde o início do Plano Real, em julho de 1994. Esse montante equivale a toda a geração de riquezas pelos setores industrial, de comércio, de serviços e agrícola do país em 2001, ano em que o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todas as riquezas produzidas no país) superou a marca pela primeira vez.

Até abril, as despesas tinham sido de R$919,592 bilhões, incluindo União, estados, municípios e estatais. O ano de 2005 deverá registrar também um recorde de gastos com juros, que devem subir de R$128 bilhões em 2004 para R$155 bilhões, de acordo com cálculos do Banco Central (BC). O motivo para o gasto maior está no aperto dos juros básicos, hoje em 19,75% ao ano, que corrigem metade do endividamento e são usados para cumprir a meta de inflação.

As cifras são estratosféricas. Os gastos com juros previstos para 2005 equivalem a 25 vezes o Orçamento do programa Bolsa Família, linha de frente da política social do governo, ou a 36 vezes os recursos destinados ao setor de transportes, que significam investimento em infra-estrutura.

Juro engole 22% da renda do brasileiro

O economista Márcio Pochmann, da Unicamp, calcula que, na última década, os gastos com juros equivalem a dois meses e 19 dias de salário de todos os trabalhadores brasileiros por ano. Isso corresponde a 22% da renda mensal de um brasileiro. Para quem ganha o salário-mínimo de R$300, equivale a R$66.

Existe a unanimidade de que a despesa com juros alcançou níveis insustentáveis. A discordância está em como aliviar a pressão nos cofres públicos. O Ministério da Fazenda endossa a visão de analistas de mercado e aponta a Previdência Social como o maior risco potencial para as contas públicas.

É no sistema previdenciário que se enxerga o único espaço para cortes e aumento do superávit primário (diferença entre receitas e despesas, usada para pagar os juros). De julho de 1994 a abril de 2005, o setor público acumulou resultado primário de R$363,267 bilhões, equivalente a somente 39% da despesa de juros.

- Não cabe ao BC olhar o custo fiscal. Há um consenso de que o governo precisa elevar o superávit primário para reduzir a dívida a curto prazo. Os juros são altos porque a dívida é alta. Mas tem a questão contratual, e onde se pode mexer é na Previdência - diz o economista Roberto Padovani, da Tendências Consultoria.

É dentro deste contexto que a equipe econômica obteve do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sinal verde para avançar nos estudos para a adoção de metas de equilíbrio das contas públicas pelo conceito nominal (que inclui o pagamento dos juros). O objetivo é reduzir a zero o descasamento entre receitas e despesas do governo.

Hoje, há um déficit nominal da ordem de R$47 bilhões (em 2004), ou 2,66% do PIB. Este valor representa a diferença entre o que o governo se esforça para economizar (o superávit primário) e o que ainda precisa a mais para pagar os juros da dívida. Em 2004, após queimar todo o superávit primário de R$81 bilhões com juros, o governo ainda precisou de mais R$47 bilhões para fazer frente às despesas de R$128 bilhões com os encargos da dívida.

A dívida líquida do setor público saltou de R$147,196 bilhões (33,12% do PIB), em junho de 1994, para os atuais R$956,676 bilhões (50,09% do PIB). Essa alta foi resultado da desvalorização do real e da ausência de ajuste fiscal durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando os juros médios ficaram em 38,7% ao ano para segurar a paridade de um real por um dólar.

Depois de junho de 1999, com as metas de inflação e a adoção do câmbio flutuante, a taxa média caiu para 18,9% ao ano. O consultor Amir Khair, especialista em contas públicas, discorda da necessidade imediata de metas de superávit nominal. Ele afirma que os juros brasileiros têm de recuar para o nível de 7,7% ao ano, observado nos demais países emergentes.

- O ideal é não mexer no superávit primário, por exemplo, até o fim de 2006 e começar aos poucos, reduzindo os juros e observando os efeitos na economia para se igualar aos demais países emergentes. É muito dinheiro na conta de juros, uma diferença colossal com as demais áreas do governo - disse Khair.

De acordo com o consultor, não há mais espaço para subir o superávit primário, previsto em R$83 bilhões para este ano (equivalente a 4,25% do PIB). Ele cita que a União investe hoje apenas 0,4% do PIB do Orçamento, contra 1,8% nos demais países da América Latina. Khair acredita que, ao atacar também a despesa financeira, será possível zerar o déficit público nominal e trazer a dívida líquida aos níveis de 30% do PIB, registrados em 1994.

- O governo fala também em tirar os recursos vinculados no Orçamento, mas isso não passa no Congresso porque há bancadas fortes de saúde e educação. O ajuste pode ser feito nos muitos programas, abaixo de R$10 milhões, e dar prioridade ao Bolsa Família e a projetos de infra-estrutura e assentamento de sem-terra - ressaltou Khair.

Seis milhões têm papéis públicos

Padovani defende cortes de gastos e mais uma reforma na Previdência, em vista da despesa anual de R$140 bilhões do INSS, que gera um déficit de R$32 bilhões ao ano. Por esta concepção, o BC teria liberdade para aumentar o quanto necessário a taxa de juros.

O ex-ministro da Fazenda e deputado Delfim Netto (PP-SP) acredita que o governo Lula se encontra numa armadilha: juros altos para valorizar o câmbio e assim atingir a meta de inflação deste ano. Segundo ele, a estratégia é inócua porque deixa a economia vulnerável com mais dívida e queda das exportações.

- Não tem jeito. Será preciso eliminar o déficit nominal (que inclui os gastos com juros) para não sobrecarregar a política monetária. Se não puder, fica como está. O Fernando (Henrique) fez o plano de estabilização mais caro da história, mas quem sabe este (o governo Lula) consegue superar - alfineta Delfim.

A alta despesa com juros também influi na distribuição de renda. Hoje os detentores da dívida são os seis milhões de pessoas físicas e empresas que investem em fundos de investimento e possuem planos de previdência privada. A título de comparação, basta lembrar que há 23 milhões de aposentados e pensionistas no INSS.

www.oglobo.com.br/economia

inclui quadro: saiba mais sobre as contas públicas nacionais