Título: BRASIL PEDE REGRAS CLARAS A NOVO GOVERNO DA BOLÍVIA
Autor: Janaina Figueiredo e Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 20/06/2005, Economia, p. 18 e19

Objetivo é firmar compromisso com estabilidade jurídica dos contratos de exploração de petróleo e gás natural. Declaração de Assunção pede respeito a direitos humanos na região

ASSUNÇÃO. O governo brasileiro aproveitou a Cúpula de Presidentes do Mercosul, que termina hoje na capital paraguaia, para exigir regras claras ao novo governo da Bolívia, representado pelo chanceler Armando Loaiza. Os negociadores do Brasil manifestaram a seus colegas bolivianos "preocupação com a estabilidade jurídica das regras relativas à exploração de petróleo e gás", segundo documento elaborado pelo Itamaraty sobre a reunião do Conselho do Mercado Comum (integrado por todos os chanceleres do bloco), ontem em Assunção, ao qual O GLOBO teve acesso.

No documento, os negociadores brasileiros destacam a importância de mencionar no encontro "os investimentos brasileiros e os projetos de cooperação e de integração física do Brasil com a Bolívia", sobretudo no setor energético. A Petrobras é uma das empresas mais importantes na Bolívia, motivo pelo qual o governo Lula acompanha de perto as constantes crises políticas que assolam o país. O chanceler boliviano assegurou que seu país respeitará todos os acordos assinados.

- Existem entendimentos com o Brasil vigentes há vários anos e que serão cumpridos. Também estamos negociando com a Argentina. A Bolívia tem um importante papel a cumprir no processo de integração energética - disse Loaiza.

Bloco inclui cláusula sobre direitos humanos na região

Segundo o Itamaraty, o comércio entre Brasil e Bolívia passou de US$816 milhões em 2002 para US$1,2 bilhão em 2004. "Nos últimos dois anos (2003 e 2004), a Bolívia registrou superávits em seu comércio com o Brasil (US$160 milhões e US$178 milhões, respectivamente). Nesse período, o gás natural representou aproximadamente 80% das exportações bolivianas ao mercado brasileiro", diz o documento.

As recentes crises políticas no Equador e na Bolívia - onde revoltas sociais provocaram a renúncia dos presidentes Lucio Gutierrez e Carlos Mesa, respectivamente - levaram os membros do Mercosul a blindarem a região com uma cláusula sobre direitos humanos no bloco. Esta estabelece que as nações que integram o Mercosul, sejam membros plenos ou associados, devem respeitar as normas internacionais em vigor para continuarem pertencendo e se beneficiando dos acordos promovidos no bloco. O objetivo seria evitar que essas turbulências prejudiquem a estabilidade econômica da região.

O Protocolo de Assunção sobre o Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos estabelece "a plena vigência das instituições democráticas e o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais como condições essenciais para a vigência e a evolução do processo de integração entre os Estados parte".

- Queremos evitar que problemas políticos afetem as liberdades individuais. Temos de mostrar ao mundo que a região tem segurança jurídica - disse uma fonte do governo brasileiro.

Combate à aftosa deve ter 1º financiamento do fundo

O artigo 3º do documento prevê a aplicação do protocolo em caso de violações graves e sistemáticas dos direitos humanos em "situações de crise institucional ou durante a vigência dos estados de exceção" (de emergência ou de sítio).

Negociadores brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios fecharam, na noite de sábado, os últimos detalhes do Fundo de Convergência Estrutural. Considerada a decisão mais importante a ser anunciada hoje pelos presidentes, o fundo vai financiar projetos sociais, sanitários e de infra-estrutura e terá um orçamento anual de US$100 milhões. O Paraguai terá a maior parte: 36%. O Uruguai ficará com 24%, e Brasil e Argentina terão 20% cada um. Segundo a chanceler paraguaia, Leila Rachid, as autoridades econômicas dos países associados já deram sinal verde para o mecanismo, que estará pronto para funcionar em janeiro de 2006.

- A vigência é imediata. Está praticamente tudo acertado - disse Leila.

De forma geral, será dada preferência a programas fronteiriços. O Brasil participará com 70% dos recursos, a Argentina, com 27%, o Uruguai, com 2% e o Paraguai, com 1%. Segundo um importante negociador brasileiro, o fundo não terá necessariamente US$100 milhões no primeiro ano.

O programa de combate à febre aftosa tem mais chances de ser financiado primeiro. As ações serão aprovadas na reunião de hoje, entre os presidentes do Mercosul. O objetivo é livrar a região da doença, melhorar a qualidade do produto e, assim, aumentar o preço da carne exportada pelo bloco no mercado internacional. Segundo técnicos do Ministério da Agricultura, uma tonelada de carne oriunda de país com casos de aftosa vale US$3 mil, enquanto a de um país sem a doença sobe para US$6 mil.

O Mercosul também está avançando na agenda externa. Ontem, os negociadores do bloco entregaram a representantes do governo de Israel, que acompanha a cúpula como observador, a proposta para um futuro acordo de livre comércio.

- Estamos sendo assediados por diversos países. O interesse é muito grande - disse o chefe do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, Régis Aslanian.