Título: ENCRUZILHADA ENTRE REFORMA E RETROCESSO
Autor: José Meirlles Passos
Fonte: O Globo, 20/06/2005, O Mundo, p. 21

Candidato moderado pede a iranianos que se unam contra extremistas no segundo turno da eleição presidencial

Nos cafés, nos restaurantes, nas universidades e especialmente no Bazar Teerã - onde estão concentrados os comerciantes mais influentes do Irã - era evidente ontem a preocupação com o segundo turno da eleição presidencial, na próxima sexta-feira. A ameaça de um retrocesso político era o tema central das conversas.

A expectativa antes da primeira votação, sexta-feira passada, era de que, com sete candidatos na disputa, um segundo turno seria inevitável, e a ele chegariam dois progressistas: o favorito Ali Akbar Hashemi Rafsanjani - um conservador moderado de idéias liberais - e um candidato reformista, provavelmente o ex-ministro de Educação Mostafa Moin. O ex-presidente Rafsanjani disputará, porém, o segundo turno com o ultraconservador Mahmud Ahmadinejad. E a realidade agora é que o confronto se dará claramente entre o Irã que pretende ser livre e moderno e o Irã que tenta preservar a teocracia - o governo em que os líderes religiosos têm a última palavra.

Rafsanjani fez ontem um apelo aos iranianos para que se unam a ele e formem uma coalizão nacional que busque "a reconciliação para formar um governo". Essa coalizão, afirmou, deve ser integrada por "todos aqueles que acreditam no Islã, na revolução, no sistema, na liberdade e na independência".

- Peço que com sua participação maciça no segundo turno vocês ponham um freio no extremismo - afirmou o candidato, que teve maior número de votos sexta-feira.

Candidatos suspeitam de fraude na votação

Nas sedes dos partidos reformistas, era intenso o debate sobre os próximos passos a serem tomados. Estudavam-se maneiras de apoiar Rafsanjani., agora a única esperança de continuação da abertura tímida iniciada há oito anos pelo presidente Mohammad Khatami. A alternativa representada por Ahmadinejad - prefeito de Teerã há dois anos, e que ficou em segundo lugar com apenas 400 mil votos de diferença - levaria a um endurecimento do regime.

- O que estamos vendo é a última e desesperada tentativa do movimento ultraconservador de evitar que a sociedade iraniana continue avançando no sentido das idéias liberais - disse Hermidas Davoud Bayand, professor de direito internacional na Universidade Alameh e um dos analistas políticos de maior prestígio no país.

Em sua plataforma política, Ahmadinejad, de 49 anos, propõe claramente um fechamento do país. Sua maior realização como prefeito de Teerã foi transformar todos os centros culturais da cidade em centros religiosos. Ele foi instrutor da Basij, uma milícia formada por voluntários e encarregada de impingir os códigos sociais islâmicos. O grupo também atua na repressão a manifestações públicas contra o regime.

Enquanto Rafsanjani, de 70 anos, promete um governo mais liberal - tanto do ponto de vista social quanto político - e uma convivência pacífica e mais intensa com outros países - inclusive um reatamento das relações com os Estados Unidos - Ahmadinejad tem dito que o relacionamento com outros países não faz parte de suas prioridades. Ahmadinejad tem uma visão bastante particular da globalização: seu único interesse nessa área é utilizar os meios modernos para difundir as idéias ultra-conservadoras dos clérigos. Ele tem na doutrina dos religiosos de linha-dura o modelo para levar adiante seu sonho de implantar um "islamismo global".

O aspecto mais significativo de sua ascensão é a suspeita de fraude que a envolve. Rafsanjani disse ontem que o primeiro turno "foi manchado por algumas atitudes e intervenções" que visavam a "orientar o voto". Mas dois candidatos derrotados no primeiro turno foram mais incisivos, acusando Ahmadinejad de ter recebido algum tipo de ajuda ilegal da milícia Basij e da Guarda Revolucionária. Depois de o reformista Mehdi Karroubi denunciar sábado que "houve dinheiro passado de mão em mão" para prejudicá-lo na apuração, a porta-voz de outro reformista, Mostafa Moin, chegou a acusar de golpe de Estado a Guarda Revolucionária e o Conselho de Guardiães da Revolução Islâmica, formado por seis aiatolás e seis juristas ultra-conservadorres. O próprio Moin acrescentaria:

- Nossa recém-nascida democracia está em perigo. Este é um alerta para a democracia. Devemos estar cientes de que esses esforços para promover um candidato em particular acabarão levando à militarização do regime, bem como à supressão política e social.

Condoleezza critica a eleição iraniana

Ambos tinham motivos para a desconfiança. Moin aparecia em segundo lugar nas pesquisas de opinião. E Karroubi ocupava essa posição até poucas horas antes do fim da apuração. Um detalhe chamou a atenção de observadores: o fato de o Conselho de Guardiães ter anunciado oficialmente que Ahmadinejad garantira o segundo lugar quando, segundo o Ministério do Interior, encarregado do processo eleitoral, a contagem ainda mostrava Karroubi naquela posição.

- Quando vi que estava com uma boa vantagem, já no final da apuração, resolvi descansar. Dormi durante duas horas e quando acordei vi que naquele intervalo surgiram estranhamente um milhão de votos a mais favoráveis ao prefeito - disse Karroubi.

O Conselho de Guardiães afirmou ontem que os descontentes têm um prazo de três dias - que vence amanhã - para apresentar oficialmente suas queixas.

- O resultado oficial será anunciado por nós depois que esses protestos forem analisados e que a validade da apuração for confirmada - disse Gholam Hossein Elham, porta-voz do Conselho de Guardiães.

Outro dado polêmico - ainda não registrado oficialmente - é o comparecimento dos eleitores às urnas. O Ministério do Interior diz que o índice de participação foi de 62%, mas o Conselho de Guardiães garante que foi de 70%.

A secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, criticou ontem a votação:

- Parece-me difícil ver como essas eleições podem contribuir para o sentimento de legitimidade do governo iraniano - disse, acrescentando que não viu "qualquer tentativa séria de levar o Irã para um futuro democrático".

Com agências internacionais

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Legenda da foto: UMA ELEITORA com o corpo coberto pelo chador, traje islâmico tradicional: conservadorismo será representado no segundo turno por Ahmadinejad (no alto)