Título: Brincar com fogo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 21/06/2005, O Globo, p. 2

O presidente Lula e o PT estão enfrentando de formas distintas o rugir da crise política. Lula reconhece que perdeu tempo e trata de reformar o governo. Anunciou ontem o nome da ministra Dilma Rousseff para o Gabinete Civil passando por cima de pressões e pretensões. Dará curso às mudanças e falará ao país. Já o PT adotou a perigosa retórica do golpismo como arma de defesa.

O partido fala em tentativas de desestabilização do governo desde o início da crise. Ao anunciar sua saída, na quinta-feira, José Dirceu bateu com mais força nesta tecla. No ato de solidariedade a ele e ao partido, na sexta-feira em São Paulo, o discurso tornou-se oficial e apareceu na nota da executiva do partido.

Mais do que discurso, entretanto, está em curso um plano de mobilização dos movimentos sociais que, levando suas bases para a rua, pode levantar ainda mais a fervura do caldeirão. Hoje mesmo, representantes da CUT, MST, Contag, Central de Movimentos Populares (CMP) e UNE vão se reunir para traçar um calendário de manifestações em defesa do governo Lula e de repúdio à tal orquestração desestabilizadora. A CNBB também foi chamada. A primeira manifestação será dia 1º de julho, em Goiânia, aproveitando a realização, nesta data, de um congresso da UNE.

O presidente da CUT, Luiz Marinho, é o líder desta movimentação. Diz ele que as elites não precisam se assustar, porque "sabemos o quanto custou construir as instituições democráticas, quantos lutaram, foram presos e torturados. Os adversários é que não devem brincar com fogo, advertiu.

Na rua a crise já está, na boca do povo. Mas convencer os chamados setores organizados de que há golpe no horizonte também pode ser brincar com fogo. Há muito fermento na crise, excesso de denúncias vazias, gente demais falando o que não falou na hora certa, se é que tinha o que falar. Gente falando antes da hora, como o relator da CPI, Osmar Serraglio, para quem a CPI, que ainda nem começou a trabalhar, pode terminar como a de Collor. Mas a derrubada do governo, até onde a vista alcança, não interessa a uma oposição mais empenhada em espancá-lo até transformar Lula num trapo político, para ser facilmente derrotado em 2006.

O PSDB, através de seus líderes Goldman e Arthur Virgílio, reagiu forte ontem ao discurso do golpismo, acusando o PT de tentar lançar fumaça sobre as denúncias que o envolvem com o mensalão. O ex-líder Jutahy Júnior propôs o comparecimento dos ministros da Justiça e do Gabinete de Segurança Institucional ao Congresso para esclarecer rumores de risco às instituições. Dirceu está sendo acusado pelos pefelistas de montar uma estratégia chavista, buscando apoio nas massas para escamotear as denúncias. Tudo é fermento na crise.

Mas o PT, vale recordar, não é o primeiro a se valer, no aperto, da retórica do golpismo. Sarney acusou a Constituinte de tentar desestabilizá-lo, Collor chamou o povo às ruas em seu apoio (colheu protestos) e FH, aqui mesmo nesta coluna, em 24 de maio de 2001, diante das denúncias e pedidos de CPI capitaneados pelo PT, acusou: "A leviandade da imprensa e o golpismo branco da oposição de estão criando um clima de fascismo e terror insuportável".