Título: LULA ADMITE QUE GANHOS DO MERCOSUL NÃO FORAM REPARTIDOS ENTRE OS SÓCIOS
Autor: Eliane Oliveira e Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 21/06/2005, Economia, p. 20

Presidente diz que Uruguai e Paraguai foram prejudicados por assimetrias ASSUNÇÃO. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu ontem, durante a reunião de chefes de Estado do Mercosul, da Comunidade Andina e do Chile, realizada em Assunção, que os ganhos obtidos pelo Mercosul não foram devidamente distribuídos entre os sócios menores: Uruguai e Paraguai. Lula admitiu que existe um mal-estar dentro do bloco por causa das assimetrias e pediu aos uruguaios, que assumem a presidência rotativa do bloco, um levantamento sobre os obstáculos e pendências que impedem o avanço da região. - Não podemos negar que estamos enfrentando dificuldades e não há como esconder um certo mal-estar. Não estamos conseguindo ajudar os países menores e muitos dos ganhos da integração não se materializaram - disse Lula. O presidente lembrou que a União Européia tem enfrentado problemas, mesmo depois de 50 anos de integração. E ressaltou que o bloco do Cone Sul precisa aproveitar a crise para fazer uma avaliação mais profunda. - Não podemos desperdiçar essa oportunidade histórica - afirmou o presidente. Brasil resiste a propostas de salvaguardas no bloco Referindo-se de forma velada às pressões de Argentina e Paraguai, que querem salvaguardas temporárias para se protegerem das importações brasileiras, Lula deu um recado: - Não podemos ceder a soluções fáceis.Temos que encontrar soluções criativas para os setores afetados por situações adversas. Soluções que atendam às dificuldades estruturais, mas que apontem no sentido de melhorar a nossa competitividade como bloco. O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, já não estava mais na reunião. Havia deixado Assunção no dia anterior, alegando ter de estar presente em seu país nas comemorações do Dia da Bandeira. Em Buenos Aires, em mais uma declaração desafinada com o Brasil, Kirchner anunciou ontem que seu país terá um candidato à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID): Aldo Ferrer, diretor da estatal Enarsa. Enquanto isso, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, defendia em Assunção a importância de que Brasil e Argentina tenham um candidato único. O governo Lula está em campanha para que o cargo seja assumido pelo vice-presidente da instituição, o brasileiro João Sayad. Para Lula, a questão comercial é importante, mas não deve prevalecer dentro do bloco. Ele propôs uma espécie de mea-culpa conjunto, ao admitir que faltou, em diversos momentos, agilidade para pôr em prática decisões e compromissos. - Queremos um Mercosul que vá além da simples eliminação de tarifas - disse. Na reunião, os discursos reforçaram as queixas de assimetrias. Para o presidente do Paraguai, Nicanor Duarte, os países precisam fazer mais pelos parceiros menos favorecidos. O presidente do Chile, Ricardo Lagos, criticou a falta de avanços no Mercosul, fazendo uma comparação com o acordo bilateral firmado com os EUA: - Podemos participar de compras governamentais nos EUA, mas não temos o mesmo acesso no Mercosul. - Há muito ainda por fazer - reforçou Tabaré Vázquez, presidente do Uruguai. Fontes do governo argentino confirmaram ao GLOBO que o ministro da Economia, Roberto Lavagna, enviou um de seus principais assessores para tentar avançar nas negociações com o Brasil. A decisão de aproveitar o encontro de presidentes para realizar uma reunião bilateral foi adotada há uma semana, durante a visita do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a Buenos Aires. - Viemos a Assunção para dar continuidade à conversa entre Lavagna e Palocci. Estamos avançando, mas ainda é cedo para falar em acordo - disse a fonte do governo argentino. - Nosso objetivo é que os incentivos concedidos às empresas que investem no Brasil sejam eliminados, porque só assim competiremos em igualdade de condições - disse o representante do governo argentino. Celso Amorim disse que o governo Lula não quer ouvir falar nas palavras "mecanismo" e "proteção".

Saída antecipada, à Kirchner

ASSUNÇÃO. Um dia depois de o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, abandonar a Cúpula de Presidentes de Assunção algumas horas após ter desembarcado no Paraguai, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva antecipou seu retorno ao Brasil, em meio à crise política. À semelhança da atitude adotada por Kirchner também em outras cúpulas - como a que reuniu os líderes do Mercosul e dos países árabes em Brasília, em maio - Lula saiu bem antes do previsto, deixando o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, como representante do Brasil. A ausência de Kirchner e saída antecipada de Lula esvaziaram a cúpula presidencial. A entrevista coletiva organizada pelo governo paraguaio, anfitrião do encontro, contou apenas com os presidentes Nicanor Duarte Frutos (Paraguai) e Tabaré Vázquez (Uruguai). Lula também cancelou uma reunião solicitada pelo presidente do Equador, Alfredo Palácio, que assumiu o poder em abril, depois que Lucio Gutiérrez foi deposto do cargo. - Surgiram problemas de agenda - declarou, constrangido, Alfredo Palácio. (J.F. e E.O.)