Título: Lula desafia oposição e Congresso
Autor: Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 22/06/2005, O País, p. 3

Presidente diz que ninguém tem mais autoridade ética que ele e que adversários temem reeleição

Mesmo tendo sido defendido por líderes da oposição e pelo principal acusador do PT e de membros do governo, deputado Roberto Jefferson (PTB), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva partiu ontem para o ataque ao reagir às denúncias de corrupção. Disse que a oposição está incomodada e com medo da reeleição e que ninguém tem mais autoridade moral e ética do que ele para combater a corrupção. Durante 50 minutos e diante de uma platéia de 900 pequenos agricultores e sindicalistas, a 40 quilômetros de Brasília, o presidente criticou o aparecimento do que chamou de "denúncias vazias" e, falando indiretamente sobre o mensalão, afirmou:

- Se tem dúvida sobre a atuação do Congresso, é um problema do Congresso.

E atacou a oposição diretamente:

- Os que torciam para que fosse um desastre o meu governo já estão com medo hoje é da reeleição. Este é o dado concreto e objetivo. Depois que fomos quebrando todas as barreiras que eles foram botando, eles resolveram então mexer na questão ética. E vejam que tudo isso que estamos vivendo é por conta de um cidadão (Maurício Marinho, ex-chefe de Contratação e Administração dos Correios) que diz que pegou R$3 mil. Um cidadão de terceiro escalão - afirmou Lula, dizendo em seguida que as denúncias envolvendo os Correios começaram a ser investigadas assim que descobertas.

Lula acusou a oposição de querer antecipar o debate eleitoral:

- Como ainda não estou candidato, tenho uma função a cumprir até 30 de dezembro (de 2006). Sei que quem é oposição tem mais pressa. É sempre assim. O mandato para quem está no governo é curto, de quatro anos. Mas para quem é oposição, é uma eternidade - disse Lula, sorrindo e provocando risos.

'Eles não sabem com quem estão lidando'

No discurso, Lula citou apenas as denúncias de corrupção dos Correios, sem mencionar as acusações de pagamento de mensalão. O presidente começou o discurso dizendo que não falaria das denúncias, mas, na metade da fala, de improviso, não resistiu e começou a tratar do assunto, sendo muito aplaudido:

- Na História republicana nenhum governo fez contra a corrupção 20% do que estamos fazendo. Ninguém tem mais autoridade moral e ética do que eu para fazer o que precisa ser feito neste país! Vamos fazer a luta contra a corrupção se transformar não numa bandeira, porque isso não pode ser uma bandeira apenas, tem que ser uma prática cotidiana, uma mudança de todas as instituições, uma mudança de comportamento.

Lula disse que as denúncias sobre o governo serão investigadas:

- E contra quem quer que seja, mas sem bravata. Neste país, já vi alguém ser eleito em nome de ser um caçador de marajá e todo mundo viu o que aconteceu. Vocês nunca me vão me ver nervoso e fazendo bravata. Não é este o meu papel, já fiz muita (bravata). Agora, sou presidente da República.

E deu um recado:

- Eles não sabem com quem estão lidando! Com corrupção a gente não brinca. O que a gente não pode é manchar o nome das pessoas, não pode desnudar as pessoas na frente da sociedade e depois não prova nada e ninguém pede desculpas. Já vimos isso ao longo da História.

Lula tratou as acusações contra parlamentares como uma questão do Congresso:

- O que o governo não pode é ficar correndo contra denúncia vazia. Se tem dúvida contra a atuação do Congresso, é um problema do Congresso. Eles que criem mecanismos de auto-investigação. Que criem quantas CPIs quiserem criar. Agora, o que não pode é, por conta de insinuações ou ilações, deixar de cumprir o papel do Congresso, que é votar as coisas que o Brasil tem interesse.

E protestou contra possível paralisia do Congresso:

- Não podemos permitir que, por conta de uma CPI, o Congresso não funcione. Este país é muito grande, a democracia está muito sólida para a gente achar que uma CPI vai criar qualquer embaraço.

O presidente disse ainda que não quer votar no Congresso projetos que o beneficiem.

- Não tenho no Congresso nenhum projeto pedindo aumento para o presidente, prorrogação de mandato ou pedindo para fazer a 'tri-reeleição' do presidente. Os projetos são de interesse do país, de 180 milhões de brasileiros.

Sob aplausos, o presidente voltou a falar da sua origem humilde e que as ações do governo em benefício dos pobres incomodam:

- Vocês pensam que eles não ficam incomodados porque estou aqui sem gravata? Sou a negação do ritual histórico criado nesse país! Mas não pela minha roupa, porque até me visto melhor do que muita gente, mas pela minha origem. E estar aqui com vocês faz diferença, incomoda muita gente.

Por fim, o presidente lembrou que sua mãe morreu analfabeta:

- Determinadas coisas a gente não aprende na universidade, na política, na rua, e sim dentro de casa. Vergonha na cara a gente aprende dentro de casa.

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CUT e Contag apóiam

Entidades não citam envolvimento de petistas nas denúncias

LUIZIÂNIA, Goiás. O I Congresso da União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária se transformou num ato de desagravo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de apoio à sua reeleição. Muitos dos presentes na platéia carregavam cartazes com mensagens de apoio ao presidente. De calça esporte e jaqueta, destoando dos ministros que usavam terno e gravata, Lula se sentiu entre companheiros e não resistiu às provocações para que falasse sobre as denúncias de corrupção.

Os presidentes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Manoel dos Santos, e da CUT, Luiz Marinho, fizeram discursos pregando a defesa do governo diante das denúncias e pedindo que os mais de 900 pequenos agricultores da platéia continuassem confiando na administração Lula.

Em nenhum momento foi mencionado, por qualquer dos oradores, que as denúncias envolviam dirigentes do PT. Manoel dos Santos, chamado de Maneco por Lula, alertou os agricultores:

- É um momento extremamente delicado o jogo que a oposição está tentando fazer. Não é apenas contra o presidente Lula, o governo Lula, é contra a sociedade brasileira - disse o presidente da Contag.

Rossetto defendeu a ética do governo federal:

- Aqueles que secularmente se apossaram da riqueza sabem que as coisas estão mudando.

Lula iniciou seu discurso afirmando que muitos são os assuntos que poderiam motivá-lo, num discurso de improviso, mas que pretendia "ler algumas palavras". Depois disse que "cada coisa tinha sua hora".

- Não posso falar, como presidente, daquilo que gostaria de falar aqui. Como o peso da responsabilidade do presidente é maior do que o do cidadão comum, não posso falar a quantidade de bobagens que se fala por aí. Tenho que esperar o momento certo - disse Lula.

Depois de quase meia hora de discurso, no entanto, ele abandonou o texto e adotou o discurso de improviso. No fim, foi aplaudido.

Legenda da foto: NA PLATÉIA DE pequenos agricultores e sindicalistas, o cartaz de apoio: Lula criticou o que chamou de "denúncias vazias"