Título: TECNOLOGIA EM BAIXA
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 22/06/2005, Economia, p. 23

Pesquisa do IBGE revela que indústria de ponta no país encolheu entre 2000 e 2003

Na contramão do que desejam os especialistas, a indústria brasileira de alta intensidade tecnológica (que inclui fabricantes de automóveis, celulares, máquinas e equipamentos de informática, entre outros) emagreceu no triênio 2000-2003. Pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que, nesses três anos, caiu em quase dois pontos percentuais a participação das empresas que mais investem em inovação (de 0,49% a 2,72% das receitas líquidas de vendas) na geração de riqueza do setor. Em 2000, 49,44% do valor da transformação industrial (espécie de PIB do segmento) saíram das firmas de alto ou médio-alto investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Três anos depois, a proporção estava em 47,51%, segundo a Pesquisa Industrial Anual, a PIA Empresa 2003.

Em contrapartida, aumentou de 50,56% para 52,49% a participação das empresas de baixa e média-baixa intensidade tecnológica na riqueza industrial. Não por acaso, são estas indústrias as responsáveis por alguns dos itens mais exportados pelo Brasil nos últimos anos: as matérias-primas básicas e semimanufaturadas. O coordenador de Indústria do IBGE, Sílvio Sales, acha que o período 2000-2003 é curto para determinar uma mudança estrutural no perfil da indústria. Mas reconhece que a queda de participação das firmas intensivas em tecnologia está relacionada ao crescimento das exportações combinado ao baixo vigor do mercado interno naqueles três anos:

- O período foi marcado pelas exportações de itens básicos e agroindustriais, que estão relacionados às empresas de baixa intensidade tecnológica. Além disso, o mercado interno não foi determinante no crescimento econômico.

Setor tecnológico é mais produtivo

Apesar do recuo, as indústrias de alta intensidade tecnológica continuam sendo as que mais agregam valor à produção do setor. Sozinhas, responderam em 2003 por 30,46% do valor produzido pela indústria (ao todo, R$403,7 bilhões). Elas têm os maiores índices de produtividade e pagam os salários mais altos, embora representem menos de um décimo do total de empresas e cerca de 15% da mão-de-obra. Segundo o IBGE, três de cada quatro empregos da indústria estão nas firmas de baixo e médio-baixo investimento em P&D.

- O setor industrial de alta e média-alta intensidade tecnológica tem alta magnitude na produção de riqueza, enquanto os demais são os grandes responsáveis pelo emprego. Portanto, não se pode descuidar nem de um lado nem do outro e a pesquisa, felizmente, mostra um certo equilíbrio - assinala Júlio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Almeida atribui a perda de participação das indústrias intensivas em tecnologia ao intervalo de tempo particularmente negativo. Em 2001, lembra, o país enfrentou o racionamento; em 2002, houve a corrida presidencial; e no ano seguinte, a recessão. Para Almeida, é normal que os setores avançados sofram mais em períodos de conjuntura desfavorável. Ele prevê uma mudança no cenário a partir de 2004, quando a indústria de alta tecnologia teria crescido acima de 10% e a de baixa, menos de 6%.

O mercado interno, no ano passado, também se recuperou, notadamente a demanda por bens duráveis, relacionados à produção intensiva em tecnologia. As exportações de alto valor agregado também têm crescido: automóveis, aviões e bens de capital em 2004; celulares em 2005. Apesar disso, as vendas de produtos básicos e semimanufaturados ainda sejam fortes, especialmente para mercados como o chinês. Estudo recém-concluído pela economista Fernanda De Negri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que, metade das vendas brasileiras para a China é de produtos agrícolas e extrativistas, apesar de as empresas que negociam com aquele país sejam as mais eficientes e inovadoras do Brasil.

A pesquisa do IBGE comparou ainda os níveis de investimento em P&D da indústria brasileira aos dos países da OCDE - que reúne quase todas as nações européias, EUA, Canadá e México, Austrália, Japão, Coréia do Sul e Nova Zelândia. Os gastos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil equivalem a um terço da média da OCDE: 0,6% das receitas líquidas de vendas, contra 1,8%; nas nações mais ricas, como EUA, Alemanha e Franças, o investimento em P&D alcança 3,2% do faturamento.

A PIA Empresa é realizada anualmente desde 1996. Para a edição divulgada ontem, o IBGE investigou 42 mil empresas: todas as 30 mil indústrias do país com 30 ou mais funcionários e 12 mil com cinco a 29 empregados. Ao todo, o setor emprega 5,9 milhões de pessoas e paga salário médio de R$1.072 por mês.

Do total produzido, 64% se concentram nas grandes empresas, as que têm mais de 500 funcionários. Elas também respondem por 75% dos investimentos do setor e 56% da massa salarial. Em 2003, a industrial investiu 15,22% de seu PIB (não estão incluídos os setores de construção civil nem os serviços industriais de utilidade pública). O volume de investimentos caiu em relação a 2002, quando alcançou 15,87%, e foi o mais baixo desde 2000 (14,54%).

Pauta movida a diesel, celular e cerveja

SP perdeu participação nas vendas. Rio ganhou

Combustíveis, automóveis, celulares, açúcar e cerveja foram os itens mais vendidos pela indústria brasileira em 2003, segundo o ranking da Pesquisa Industrial Anual, a PIA Produto 2003, outro levantamento divulgado ontem pelo IBGE. Encabeçam a lista o óleo diesel e os automóveis de 1.500 a 3.000 cilindradas, dois produtos que simbolizam bem a divisão da produção entre itens de alta e baixa intensidade tecnológica. Os dados mostram o aumento da participação dos celulares na produção industrial - em 1998 o produto sequer figurava entre os cem mais; em 2002 passou à 7ª posição e agora está na 6ª). O sétimo colocado, agora, é o açúcar cristal, outro item semimanufaturado largamente exportado pelo Brasil. Já a cerveja perdeu participação, provavelmente, em razão do baixo vigor do mercado interno nos últimos anos: caiu da sexta para a décima posição entre 2000 e 2003.

A PIA Produto ratificou a tendência de desconcentração industrial no Brasil. Em três anos, São Paulo perdeu quatro pontos percentuais no total de vendas da indústria. Passou de 46,4% para 42,5%. Santa Catarina também perdeu: de 4,2% para 3,8% das vendas. Já o Rio de Janeiro, de carona na expansão da produção de petróleo, ampliou seu peso na indústria em quase um ponto percentual: de 6,6% para 7,4% das vendas. O estado manteve a quarta posição no ranking nacional, atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Este manteve o peso de 8,8% no faturamento da indústria no período analisado. O mesmo aconteceu com a indústria mineira, que passou de 9,9% para 10%.